quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Processualmente, o que a defesa de Lula pode fazer para evitar a prisão antecipada?, por Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa

FOTO: INTERNET



Do Conjur



Eis uma das questões mais relevantes após o julgamento da apelação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na quarta-feira (24/1), no qual foi mantida a condenação e elevada a pena para 12 anos e 1 mês. Como o julgamento foi por unanimidade, está descartado o uso de embargos infringentes e também dos embargos de nulidade. E agora, como será?

Uma vez publicado o acórdão, a defesa terá o prazo de dois dias para interposição dos embargos declaratórios (prazo que acaba sendo superior, pois se trata de processo eletrônico — e-proc —, cuja contagem do prazo, se não aberto o evento, começa a fluir após 10 dias do seu lançamento), com uma dupla finalidade: primeiramente, postular a manifestação sobre pontos omissos, ambíguos, contraditórios ou obscuros do acórdão. Em processos complexos como esse, sempre há pontos da decisão a serem declarados. Mas também cumpre uma segunda função, de prequestionamento, para os futuros recursos especial e extraordinário. A defesa de Lula alegou, só na apelação, cerca de seis preliminares de nulidade, um rol que deve ser acrescido de mais algumas ilegalidades apontadas no acórdão, como a negativa de vigência do artigo 616 do CPP (diante da negativa de novo interrogatório no TRF), a própria discussão acerca da tipicidade das condutas (como a problemática acerca da (in)existência de ato de ofício para a configuração do crime de corrupção, da (im)possibilidade de configuração do crime de lavagem de dinheiro), a dosimetria da pena etc. Muitos são os pontos a ensejar os recursos especial e extraordinário. Portanto, embargos declaratórios necessários.

Em tese, esses embargos declaratórios poderiam ter efeito modificativo ou infringente, caso a omissão, ambiguidade, contradição ou obscuridade fosse tão grave que o tribunal, ao declarar, teria de mudar o conteúdo da decisão. Mas pensamos que não será esse o caso, ou pelo menos não uma alteração relevante ou significativa. Os embargos declaratórios têm efeito devolutivo regressivo, ou seja, são devolvidos para o mesmo órgão (mesmo relator e turma) julgador. No TRF-4, esses recursos costumam ser julgados em pouco tempo, em geral não superando dois meses. Mas isso é especulação e pode demorar mais ou menos. Basta recordar que o presente recurso de apelação foi julgado em 196 dias, quando o prazo médio para julgamento das apelações está entre um ano e um ano e meio...

Depois de julgados os embargos declaratórios, serão interpostos, simultaneamente, os recursos especial e extraordinário (que ficará sobrestado até o julgamento do especial). A defesa suscita fundadas preliminares que ensejam a interposição (e necessário conhecimento) do recurso especial e provavelmente do recurso extraordinário, em que pese toda jurisprudência defensiva criada. Mas, que se esbarrarem no juízo de admissibilidade do TRF-4, caberão os respectivos agravos. Existe possibilidade de reversão do julgado? Óbvio. Existem questões técnicas relevantes que podem levar à anulação do processo, à redução da pena, à mudança de regime ou mesmo à absolvição (por atipicidade, se entender o STJ que não está configurado o delito de corrupção e/ou lavagem de dinheiro, por exemplo).

É ingênuo desconsiderar que impera o decisionismo em relação a dicotomia "questões de fato e questões de direito", sendo a Súmula 7 do STJ um filtro ativado a la carte. Portanto, não se argumente que a discussão sobre o "mérito" está encerrada na segunda instância, pois basta uma rápida análise da jurisprudência do STJ para ver que a vedação de análise probatória é um argumento curinga, facilmente tergiversado quando eles querem (ou seja, o decisionismo antidemocrático exaustivamente denunciado por Lenio Streck).

Mas até aqui o debate é aberto, as discussões jurídicas são sérias e autorizam a rediscussão junto aos tribunais superiores.

O grande problema é que, uma vez esgotada a jurisdição do TRF-4, como já constou no acórdão, será determinada a execução antecipada da pena. Inclusive, essa decretação se deu de ofício! Sim, prisão decretada de ofício, sem pedido, sem necessidade cautelar (não há periculum libertatis) e sem fundamentação (mera invocação de uma "súmula" do TRF-4(!) ou menção ao HC 126.292, o que está muito longe de ser uma "fundamentação", constitucionalmente falando). A execução antecipada é um atropelo (erroneamente) "autorizado", jamais "determinado"(!), pela criticada decisão proferida no HC 126.292 do STF.

Só para imunizar alguma crítica leviana de "combate à impunidade": nunca se disse que não se pode prender antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória! Claro que se pode prender, a qualquer momento, desde a investigação. Para isso está a prisão preventiva. O problema está em rasgar a Constituição e criar uma prisão sem caráter (e legitimação) cautelar. O artigo 5º, LVII, da CF cria duas condicionantes que são nossas (não cabendo a invocação de Constituições alienígenas, portanto, pois interessa o que diz a "nossa" CF): não pode considerar culpado + antes do trânsito em julgado. Ponto. E, na pendência de recurso especial/extraordinário, não há trânsito em julgado, por elementar e comezinho. Não se diga que pode o STF "redefinir" o que é trânsito em julgado, pois esse é um "conceito jurídico", com história e doutrina, que pertence ao mundo do Direito Processual. Não é construído a golpe de decisão. O STF é o interprete da Constituição, não o dono dela e muito menos dos conceitos jurídico-processuais que ela traz. Quando esse país foi descoberto em 1500 (e o "Supremo Tribunal de Justiça" só foi instalado em 1829), o mundo do Direito Processual já sabia e tinha definido o que era trânsito em julgado...

Teria sido mais democrático e digno se tivessem levado adiante a discussão e votação da Emenda Peluso, com a qual não concordamos, mas que pelo menos pretendia uma mudança da Constituição pela via adequada.

Portanto, é preciso repisar que esse julgado constitui um dos maiores erros que o STF cometeu nos últimos anos, uma monstruosidade jurídica já denunciada a exaustão aqui e também por vários outros juristas. A situação é agravada pela sanha punitivista de muitos tribunais, que transformaram uma "autorização" em "determinação" para prender, (ab)usando do próprio julgado equivocado do STF. Não sem razão, o uso desmedido e irracional (de algo que já é absurdo) tem gerado até a anunciada mudança de posição de um dos ministros (Gilmar Mendes) e que poderá reverter o placar apertado estabelecido naquele julgamento. É uma mudança anunciada, mas não efetivada, até porque depende da ministra Cármen Lúcia pautar as ADCs 43 e 44, o que não parece provável a curto prazo. Sem falar que uma mudança de posição do STF, neste momento, ainda que anunciada há muito tempo, será fulminada pelo discurso punitivista e rotulada de oportunista, de favorecer determinado acusado, quando na verdade o problema é bem mais complexo e anterior.

Diante de um cenário em que existem fundamentos e viabilidade de recurso especial e extraordinário, mas, por outro lado, o risco iminente de uma prisão injusta e desnecessária, o que, processualmente, poderá fazer a defesa de Lula para evitar a execução antecipada? Um cenário difícil se desenha no horizonte.

Poderiam esperar a interposição do recurso especial, para então pedir a atribuição de efeito suspensivo (artigo 1.029, parágrafo 5º do CPC). Mas isso permitiria a efetivação da prisão, que será decretada logo após o julgamento dos embargos declaratórios. Outro caminho é a impetração imediata de um Habeas Corpus no STJ para assegurar o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado (ou pelo menos até a apreciação do recurso especial).

Mas — e isso é um perigoso exercício de futurologia — é provável que a liminar seja negada pelo ministro Felix Fischer (prevento), que sabidamente aceita a execução antecipada e não deu sinais de mudança de entendimento. O julgamento do mérito de um HC, em regra, demora muitos meses e, não raro, mais de um ano. Então, diante da negativa do pedido liminar, a defesa poderá impetrar um novo HC no STF, mas com risco de esbarrar na Súmula 691. Ainda que superada a súmula (quando "eles" querem, a súmula é superada — de novo o decisionismo), é alta a probabilidade de também terem a liminar negada, pois o ministro Fachin aceita a execução antecipada da pena. Última chance? Agravo regimental, para levar a decisão para o órgão colegiado, mas igualmente com o risco da demora. Sem falar que tudo isso teria de ser feito antes do julgamento dos embargos declaratórios no TRF-4, para evitar a prisão.

Portanto, ao que tudo indica, teremos mais uma execução antecipada da pena inconstitucional e desnecessária. Tomara que estejamos equivocados e o acusado Luiz Inácio Lula da Silva, como todo e qualquer cidadão brasileiro, tenha o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, somente sendo preso antes disso se houver real e efetiva necessidade da decretação da prisão preventiva. Do contrário, a liberdade é a regra até o trânsito em julgado.

Aury Lopes Jr. é doutor em Direito Processual Penal, professor titular de Direito Processual Penal da PUC-RS e professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Mestrado e Doutorado da PUC-RS.

Alexandre Morais da Rosa é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

O que esperar de um juiz?




Plenário do TRF-4. Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4

“Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir vocês.” (Mateus 7:1-2)

Não, não sou juiz. Sou um homem passional, por isso me tornei advogado. Já foi dito, lembra Francesco Carnelutti, que para ser juiz um homem “deveria ser mais que um homem”. Assevera, ainda, o mestre italiano que: “nenhum homem, se pensasse no que ocorre para julgar outro homem, aceitaria ser juiz”.[1]

Não tenho condições de julgar alguém pelos seus atos e, muito menos, pelo seu caráter. Não se pode olvidar que no direito penal democrático vigora a culpabilidade pelo fato em que o homem/mulher só pode ser julgado pelo que fez ou deixou de fazer e jamais pelo que é ou deixou de ser (culpabilidade pelo caráter ou pela condução de vida).

Não, não saberia ser imparcial, para condenar se preciso fosse os amigos ou absolver se não houvesse provas os inimigos. Não, não tenho independência suficiente para julgar. Mas aqueles ou aquelas que decidiram se tornar magistrados ou magistradas devem sim, julgar com independência e imparcialidade – neutralidade é mito – caso contrário deveriam se dar por suspeito.


Não resta dúvida que julgar o semelhante está entre as tarefas mais difíceis, árduas e complexas conferidas a um ser humano, principalmente, se exercida com ética, denodo, responsabilidade, respeito às partes, ao devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa e, sobretudo, com comprometimento social e com os inalienáveis direitos e valores fundamentais.

Julgar o seu semelhante, por si só, não é tarefa fácil, mas quando se trata do juiz criminal a tarefa torna-se hercúlea. Como já sentenciou Roberto Lyra “o juiz criminal apaga ou acende a lâmpada do destino, atribui a graça ou a desgraça”.[2]

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ao escrever sobre “o papel do novo juiz no processo penal” assevera que:

“É preciso que fique claro que não há imparcialidade, neutralidade e, de consequência, perfeição na figura do juiz, que é um homem normal e, como todos os outros, sujeito à história de sua sociedade e à sua própria história.”

Mas se isto é tão evidente, pela própria condição humana, parece lógico que a desconexão entre o dever ser e o ser só é possível e aceita em função de fatores externos (manutenção do status quo) e internos (manutenção, ainda que vã, do equilíbrio), em uma retroalimentação do sistema processual penal em vigor.[3]

Neste diapasão, Alexandre Morais da Rosa[4] observa que embora o juiz ignore os fatos, não é neutro, “já que possui suas conotações políticas, religiosas, ideológicas, etc.”, mas deve ser imparcial (imparcialidade objetiva e subjetiva).

O desembargador Federal aposentado do TRF 4ª Vladimir Passos de Freitas ao escrever sobre os 10 mandamentos do juiz salienta que o magistrado deve “manter a vaidade encarcerada dentro dos limites do tolerável, evitando a busca de homenagens, medalhas, retratos em jornais institucionais…” [5]

É preciso que o juiz tome cuidado para não se deixar cegar pela vaidade. A vaidade como disse Machado de Assis “é um princípio de corrupção”.

Somente o juiz legal e com competência pré-determinada por lei anterior ao fato objeto do julgamento (juiz natural) é compatível com o Estado Constitucional. Assim, fica desde logo, vedado, no Estado de Direito, o chamado juiz de encomenda. De igual modo, não se admite os tribunais de exceção destinados a julgamentos de determinados casos e/ou determinadas pessoas.

O princípio do juiz natural, em sua formulação mais madura, se deve ao pensamento iluminista francês do século XVIII e às declarações revolucionárias de direitos. Surgiu em oposição aos juízes “comissários nomeados” pelo rei para “julgar um cidadão”.[6]

Observa o jurista italiano Luigi Ferrajoli que a garantia do juiz natural significa três coisas diferentes, ainda que entre si conexas: “a necessidade de que o juiz seja pré-constituído pela lei e não constituído post factum; a impossibilidade de derrogação e a indisponibilidade das competências; a proibição de juízes extraordinários e especiais”.[7]

Geraldo Prado em sua paradigmática obra – Sistema Acusatório – salienta que:

A posição equilibrada que o juiz deve ocupar, durante o processo, sustenta-se na ideia reitora do princípio do juiz natural – garantia das partes e condição de eficácia plena da jurisdição – que consiste na combinação de exigência da prévia determinação das regras do jogo (reserva legal peculiar ao devido processo legal) e da imparcialidade do juiz, tomada a expressão no sentido estrito de estarem seguras as partes quanto ao fato de o juiz não ter aderido a priori a uma das alternativas de explicação que autor e réu reciprocamente contrapõe durante o processo.[8]


Como todo e qualquer ser humano o juiz é falível.

Portanto, não é sem razão que a Constituição da República na esteira do Pacto de San José da Costa Rica assegura o duplo grau de jurisdição.

Rubens Casara e Antônio Melchior observam que a principal razão do duplo grau de jurisdição “é o fato de que os provimentos jurisdicionais de cunho decisório, como todos os atos humanos, podem conter erros”. Mais adiante os autores salientam que o duplo grau de jurisdição busca “satisfazer a necessidade humana de ver sua pretensão insatisfeita reexaminada”.[9]

Por tudo, é imperioso ressaltar que somente o sistema acusatório – que privilegia o devido processo legal; a imparcialidade do juiz; a separação entre julgar e acusar; a igualdade entre as partes; o tratamento digno dado ao acusado como pessoa; a publicidade; o contraditório e a ampla defesa – é que tem guarida no processo penal democrático e, consequentemente, no Estado Constitucional.


A história do processo penal, já foi dito, é a história do poder. No caso, o poder mais primitivo: o poder de punir.

Daí porque o juiz deve, antes de tudo, se postar como garantidor dos direitos fundamentais. Para tanto é necessário que o juiz seja independente, competente e imparcial e que esteja ciente de que é um ser humano sujeito as imperfeições e ao cometimento de erros. De igual modo, é necessário que o juiz não perca de vista os princípios norteadores do Estado Democrático de Direito.

Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado e Doutor em Ciências Penais.

[1] CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Trad. José Antonio Cardinalli. Campinas: Conan, 1995.

[2] LYRA, Roberto. Direito penal normativo. Rio de Janeiro: José Konfino, 1975.

[3] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.). Crítica à teoria geral do direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

[4] ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

[6] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantistmo penal. 4ª ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 544.

[7] FERRAJOLI, op. cit. p. 543.

[8] PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 129.

[9] CASARA, Rubens R. R. e MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica vol I. Lumen Juris, 2013, p. 123.

Fonte: justificando

Advogados que criticaram Zanin por ter enfrentado juízes são covardes




Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Este é um dos textos mais duros que já escrevi. Por isso o título também poderia ser: advocacia pusilânime. Ou advocacia subserviente. E ainda: é o fim da advocacia quando um juiz critica a defesa e advogados aplaudem-no. Escrevo totalmente inspirado em Étienne De La Boétie; em especial na sua obra A Servidão Voluntária.

Pois muito bem.

Decepcionado – assim fiquei quando li que advogados criticaram Zanin por ter enfrentado Moro. Mas ó, bom deus! O que é isso? Que nome damos a esse fenômeno que se alastrou pelo direito de se bajular e adular juízes? Que vício é esse ou, como diria Étienne De La Boétie: “- Que infeliz vício é esse?”[1]

Excelentíssimo, grandioso, magnânimo, nobre, nobríssimo, digníssimo, ilustríssimo, preclaro, emérito… Juiz. Assim se referem, aos juízes, os advogados que criticaram Zanin. Daí suas principais características serem seus rostos risonhos e corações sempre apreensivos.

Antigamente, conforme lembra-nos La Boétie, os tiranos distribuíam um quarto de alqueire de trigo, uma taça de vinho e logo se ouviam (lamentáveis) brados: “Viva o rei”![2] Hoje, os juízes dizem: “aguardai; talvez eu despache com você!”, e logo se vê um sorriso no rosto dos advogados que criticaram Zanin, seguido de um brado: “Viva o Juiz”.

Isso explica porque o juiz Rogério Cunha – de maneira totalmente desrespeitosa – se sentiu autorizado a criticar o advogado de Lula, em seu Facebook, com a seguinte frase: “O resultado de hoje provou para o advogado de Lula que testa oleosa é muito diferente de mente brilhante.” E, ao ser criticado por um Advogado, que dizia ser a sua conduta inadequada a um juiz, ele respondeu: “Só deveria dizer o mesmo para os 45 advogados que curtiram a postagem.”

É de se perguntar, então, ao ver todos esses advogados elogiando a postura deste juiz, – mesmo com pescoço a jugo, pois não tardará a chegada do dia em que terão um de seus clientes julgado por ele – por que se prestam a defender juízes que menosprezam advogados?

O que leva um advogado a aplaudir o Desembargador Gebran Neto, quando, no julgamento de Lula, afirmou que utilizou a pas nullité sans grief como critério orientador de seus votos? Ora essa, uma teoria que certamente levará qualquer acusado à condenação é aplaudida por muitos advogados… criminalistas. Por quê?

Deixais prenderem o mais inocente de seus clientes; esperardes por horas que o juiz o recebesse para um despacho, o qual não aconteceu; não reconhecera a mais cabal das nulidades; condenara seu cliente sem nenhuma prova; e toda essa degeneração, esse infortúnio, essa ruína vem daquele cujo poder foi concedido por vós mesmos, advogados!?

Quando advogados insistem em bajular e adular juízes cujo melhor tratamento que este lhes oferecem é a humilhação, como explicar isso?

Há várias respostas. Para fins deste texto, interessa-me apenas duas. A primeira delas nos é dada por Étienne De La Boétie: a Servidão voluntária, isto é: “o segredo, a força da dominação consiste no desejo – em cada um, seja qual for o escalão que ocupe na hierarquia – de identificar-se com o tirano, tornando-se o senhor de um outro.”[3] (Jacinto Coutinho)

Dizendo de outra maneira: o oprimido aceita ser oprimido porque espera oprimir; daí ele gozar com o opressor porque sonha em ocupar um posto no qual possa, de algum modo, oprimir também. Em suma: os advogados que criticaram Zanin nunca tiveram o sonho de exercer a advocacia. São, pois, frustrados, dado que, por acreditarem que a função do juiz é fazer segurança pública, sonham em ocupar aquele cargo. Servem ao tirano porque são tiranetes.

Cria-se, assim, uma rede de interesses que a torna muito mais complexa do que a polarização opressor/oprimido.[4] “A tirania atravessa a sociedade de ponta a ponta”[5] Por isso, “a servidão é escolha e, naturalmente, escolha voluntária.”[6]

Perdoem-me a dureza nas palavras, mas, quando vejo advogados adularem juízes com o intuito de tirar alguma “vantagem”, tal coma a de ter uma nulidade reconhecida, mesmo quando o ato é flagrantemente ilegal, causa-me dó a sua tolice, porque, como bem observou Étienne De La Boétie:

Esses miseráveis admiram deslumbrados a radiância de seu poder. Cegados por essa claridade, aproximam-se, sem perceber que se lançam à chama que inevitavelmente os consumirá.[7]

Por isso, o advogado que busca o respeito de um juiz pela bajulação – e não pela leitura de livros e a prática da advocacia – outra coisa não faz senão jogar para escanteio a sua dignidade, contribuindo para a sua humilhação e, consequentemente, a total destruição do direito.

Agora, por fim, apresento-lhes a resposta à segunda pergunta, qual seja – por que advogados aplaudem juízes autoritários que desrespeitam direitos fundamentais? Ora, a resposta é simples: ignorância. Pois, tendo aberto poucos livros durante toda a sua vida, não percebem o mal que há em desconsiderar a Constituição e o direito. Por isso tem razão Éttiene De La Boétieu quando afirma que: “não sentimos falta daquilo que nunca tivemos”.[8]

Nesse sentido, os advogados que criticaram Zanin não sentem falta da Constituição porque saíram da faculdade sem conhecê-la. Por isso, se o chamado hearsay testimony é a testemunha do ‘ouvi dizer, os advogados que criticaram Zanin são uma espécie de hearsay lawyer, porque só ouviram dizer sobre a Constituição.’

Ou seja: não viram e tampouco tiveram contato direto com ela, senão que sabem através de alguém, que, provavelmente, era um professor de cursinho preparatório para concursos públicos.

Eis por que tenho dito:

Advogado que se preze é como o fogo; não sobrevive sem lenha. Sua lenha são os livros.

Por isso, ao retirar-lhe os livros, ele não tem mais o que consumir e consome a si mesmo, perdendo a força e deixando de ser fogo e, consequentemente, advogado.

Só isso justifica a postura dos advogados que criticaram Zanin por ele ter enfrentado Moro. Afinal: por estarem mais preocupados em agradar os juízes do que defender o direito e a Constituição, abriram mão do exercício da defesa e, por conseguinte, deixaram de ser advogados – se é que um dia o foram.

Numa palavra final: respeito é fundamental em todas as profissões. Mas ele não se confunde com pusilanimidade. Foi que o grande Advogado Alberto Zacharias Toron demonstrou ao colocar o Ministério Público no seu devido lugar, quando um Membro desta Instituição criticara o direito ao silêncio.

Por isso, àqueles que criticaram Cristiano Zanin, Juarez Cirino, José Batochio e Nélio Machado por terem enfrentado Moro, bem como Alberto Toron por ter enfrentado o Ministério Público e a mim, jovem advogado, por ter feito este texto, fica aqui a minha mensagem:

Que espécie de advogado seja eu, não vo-lo poderia dizer. Mas, seja lá como for, uma qualidade, ao menos, posso abonar a mim mesmo: a de não ser covarde como vós.

Djefferson Amadeus é mestre em Direito e Hermenêutica Filosófica (UNESA-RJ), bolsista Capes, pós-graduado em filosofia (PUC-RJ), Ciências Criminais (Uerj) e Processo Penal (ABDCONST).

[1] DE LA BOÉTIE, Etienne. Discurso da Servidão voluntária. Trad. Evelyn Tesche. Introdução: Paul Bonnefon. Edipro, 2017. p. 36.

[2] DE LA BOÉTIE, Etienne. Discurso da Servidão voluntária. Trad. Evelyn Tesche. Introdução: Paul Bonnefon. Edipro, 2017. p. 61.

[3] DE LA BOÉTIE, Etienne. Discurso da Servidão voluntária. Trad. Evelyn Tesche. Introdução: Paul Bonnefon. Edipro, 2017. p. 94.

[4] KARNAL, Leandro. Prefácio. In: DE LA BOÉTIE, Etienne. Discurso da Servidão voluntária. Trad. Evelyn Tesche. Introdução: Paul Bonnefon. Edipro, 2017. p. 12.

[5] J COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Direito e Psicanálise. Interlocuções a partir da Literatura. Florianópolis. Empório do Direito, 2016, p. 94.

[6] KARNAL, Leandro. Prefácio. In: DE LA BOÉTIE, Etienne. Discurso da Servidão voluntária. Trad. Evelyn Tesche. Introdução: Paul Bonnefon. Edipro, 2017. p. 13.

[7] DE LA BOÉTIE, Etienne. Discurso da Servidão voluntária. Trad. Evelyn Tesche. Introdução: Paul Bonnefon. Edipro, 2017. p. 77.

[8] DE LA BOÉTIE, Etienne. Discurso da Servidão voluntária. Trad. Evelyn Tesche. Introdução: Paul Bonnefon. Edipro, 2017. p. 54.

Fonte: justificando

sábado, 27 de janeiro de 2018

A covardia da OAB diante dos abusos da Lava Jato




Foto: Andre Borges/Agência Brasília

“Quem não dispõe de coragem cívica e de energia moral não deve ingressar nos quadros da advocacia”, escreveu Sobral Pinto, gigante da advocacia brasileira, em carta escrita em janeiro de 1937 a sua irmã. Na ocasião, mostrava a ela os motivos de ter aceitado defender Luís Carlos Prestes, embora permanecesse discordando das ideias do líder comunista, “erradas e funestas, é verdade, mas adotadas e seguidas com rara sinceridade”.

Em outro momento da correspondência, Sobral oferece à irmã uma narrativa diversa da que lhe vem sendo mostrada sobre a figura de Prestes: “depois minha irmã, se você se mostra tão hostil a esse homem, cujo patrocínio, gratuito, foi agora confiado à minha modesta capacidade, é porque os jornais estabeleceram em torno dos seus propósitos uma campanha sistemática de desmoralização”. O dever contra-majoritário da advocacia é colocado em evidência por Sobral, representado pela coragem cívica em defender direitos e garantias fundamentais meio a uma atmosfera onde os que se prestam a tarefa desta natureza costumam ser perseguidos e hostilizados nos moldes da criminalização desonesta que, desde sempre, vemos em relação à defesa dos direitos humanos

Ainda em janeiro de 1937, Sobral escreveu também para Targino Ribeiro, então presidente da OAB, ocasião em que afirmou: “quaisquer que sejam as minhas divergências, do comunismo materialista – e elas são profundas -, não me esquecerei, nesta delicada investidura que o Conselho da Ordem me impõe, que simbolizo, em face da coletividade brasileira exaltada e alarmada, A DEFESA”.

A nítida lição que se tira das missivas de Sobral é de que a defesa, junto com o devido processo legal, vale para todos e todas de forma indiscriminada, de forma que sua violação em uma situação específica representa um ataque à própria ordem constitucional. 

É a maturidade democrática e civilizacional que faz com que, na esteira de seus ensinamentos, defendamos estas garantias independentemente de quem tenha sofrido com o desrespeito à norma objetivamente prevista.

Infelizmente, as lições de Sobral, fiéis ao credo iluminista, parecem não ter sido assimiladas pela Ordem dos Advogados do Brasil no momento pelo qual passa o Brasil. Se a defesa e o devido processo legal são direitos inegociáveis, da mesma forma o são as prerrogativas da categoria, instrumento imprescindível não apenas para que advogadas e advogados possam exercer sua militância sem embaraços e constrangimentos característicos de regimes de exceção, mas para que seus clientes, cidadãos e cidadãs, possam ver no processo o que ele classicamente representa: um instrumento de garantia, defesa e proteção do réu, com as normas do jogo previamente estabelecidas para que se evite qualquer surto autoritário de juízes que, a exemplo de um caso recentemente ocorrido em um juizado especial da Bahia, se negam a dar prosseguimento a audiências pelo fato do advogado não estar usando gravata. A situação, por mais esdrúxula que seja, não é um caso isolado.

E o que se espera da entidade representativa da categoria quando desrespeitos às prerrogativas da advocacia passam a ocorrer de forma sistemática? No mínimo, uma postura enérgica e contundente contra magistrados que, em seus arroubos patrimonialistas, se enxergam como proprietários particulares de processos judiciais. Não foi esta expectativa, todavia, que vimos materializada no constrangedor discurso do presidente Cláudio Lamachia na cerimônia de posse do novo presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Embora a chamada operação Lava Jata tenha sua importância no sentido de demonstrar como o Estado se encontra sequestrado pelos interesses nada republicanos do mercado, o fundo moralista da qual se revestiu acabou por gerar uma conjuntura onde garantias constitucionais passaram a ser encaradas como obstáculos aos propósitos messiânicos de combater à corrupção ignorando o fato de se tratar de uma questão estrutural e sistêmica. Se empreiteiras e grandes conglomerados transnacionais estão há tempos ajoelhando nossa democracia, trata-se de um mal inerente à narrativa do próprio capitalismo global cujos efeitos, naturalmente, se refletem nos âmbitos regionais, conforme denunciam nomes como Gramsci e Bauman.

A docilidade da OAB em relação ao desrespeito a garantias constitucionais no contexto da Lava Jato assusta principalmente se levarmos em consideração que a questão das prerrogativas está religiosamente presente nas campanhas eleitorais tanto das seccionais quanto do próprio Conselho Federal. Em seu discurso, entretanto, Lamachia louva protocolarmente o Tribunal Regional da 4ª Região pela importância que adquiriu no cenário nacional como “corte revisora do principal processo judicial em curso do País, e seguramente um dos mais significativos da história brasileira”. Em seguida, emenda: “refiro, obviamente, à operação Lava Jato”.

É interessante tamanha condescendência, mesmo que protocolar, com a postura do TRF4 na Lava Jato se levarmos em consideração que foi esta mesma corte que chancelou os sucessivos desrespeitos aos ritos legais por parte do juiz Sérgio Moro ao considerar que não estaria obrigado a seguir as regras processuais ordinárias, uma vez que vem enfrentando uma situação inédita e excepcional. Legitimou, assim, que as normas legais deixassem de ter como fundamento sua fonte constitucional, qual seja, o processo legislativo do qual nascem as leis, e passassem a se basear nos códigos morais e particulares do magistrado, gerando um kafkaniano quadro de insegurança jurídica onde os profissionais da advocacia deixam de ter a obrigação profissional de conhecer a lei a passam a ter a necessidade de se apropriar do funcionamento das idiossincrasias morais e cognitivas dos juízes que estão à frente dos processos em que atuam.

Do colegiado, apenas o desembargador Rogério Favreto divergiu daconsagração desse estado de exceção. Considerou, quanto à divulgação dos áudios das conversas de Lula e Dilma, que é no mínimo negligente um juiz tornar públicas conversas captadas de pessoas investigadas que, não suficiente, possuíam prerrogativa de foro. O interesse público e a tentativa de evitar obstrução à justiça, conforme também concluiu, não seriam razões aptas a permitir esse tipo de comportamento, afirmando que “o Poder Judiciário deve deferência aos dispositivos legais e constitucionais, sobretudo naquilo em que consagram direitos e garantias fundamentais”, tendo em vista que “sua não observância em domínio tão delicado como o Direito Penal, evocando a teoria do estado de exceção, pode ser temerária se feita por magistrado sem os mesmos compromissos democráticos”.

Em um dos vários momentos onde códigos morais sobrepuseram códigos legais, o juiz da operação Lava Jato, alvo das incontidas louvações da Lamachia, impediu que uma audiência judicial, pública como todo e qualquer ato processual, fosse registrada em vídeo pela defesa do ex-presidente Lula, por mais que o Código de Processo Civil, em seu artigo 367, §6º, permita a gravação das audiências por qualquer das partes independente de autorização judicial. Sérgio Moro e sua intimista legislação particular, entretanto, viram razoabilidade em negar a aplicação deste dispositivo, ainda que oriundo da norma processual cível, e não penal.

Inúmeras foram as situações onde o juiz paranaense passou por cima das prerrogativas da advocacia, ignorou normas legais e se engajou em desentendimentos com advogados que, em tese, são representados pelo presidente Lamachia e a instituição a qual preside. Malgrado o Código de Processo Penal, em seu artigo 213, preveja que o juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato, isto não impediu que Moro não só permitisse como ele próprio fizesse indagações nas quais solicitou as opiniões de depoentes, chegando a cassar a palavra da defesa nas vezes em que se insurgiu contra tal comportamento. Em outra ocasião onde o magistrado procurou novamente extrair opiniões da testemunha, respondeu aos protestos da defesa com uma provocação de bar: “faça concurso para juiz e assuma a condução da audiência, mas, quem manda na audiência é o juiz”. Recentemente, Moro indeferiu a pergunta de um dos advogados antes mesmo de ouvi-la.

A lista de veleidades é longa. A maioria com a condescendência não só do TRF da 4ª Região, mas também da própria OAB. Das poucas exceções que contaram com alguma reação, estão a reforma da ordem obrigava, ao completo arrepio da lei, que Lula comparecesse pessoalmente aos depoimentos de todas as 87 testemunhas que arrolou e a resposta aos grampos no telefone do advogado Roberto Teixeira e no telefone fixo do escritório que patrocina a defesa do ex-presidente, tendo acesso às conversas de vinte cinco profissionais com pelo menos 300 clientes. Por mais dócil que a OAB estivesse – e ainda esteja sendo – aos constantes desrespeitos às prerrogativas da advocacia, neste último caso em particular esticou-se o nó de um jeito que o silêncio poderia se tornar o prenúncio de uma desmoralização ainda maior diante da categoria, forçando que a Ordem, excepcionalmente, se manifestasse sobre o ocorrido.

Lamachia, ainda totalmente despregado da realidade, classificou em seu discurso a “justiça” como o “único antídoto” capaz de debelar a crise política “sem messianismos de qualquer espécie, respeitando princípios constitucionais muito caros para todos nós, como o devido processo legal, a ampla defesa e o direito ao contraditório, exercido sim na plenitude pela advocacia em nome da cidadania”.Logo em seguida, vaticinou, surpreendentemente, que “sem isso, não haverá justiça, e sim justiçamento”. Cego ao justiçamento que as brutais violações destes princípios constitucionais já vêm causando na esteira das delações premiadas e do paiol de arbitrariedades da dupla Moro-Dallagnol, Lamachia chegou a falar a sandice de que “moral não tem ideologia, moral tem princípios”, rasgando de vez todo o acúmulo epistemológico dos pré-socráticos até os dias atuais. “Ou as regras valem para todos ou não valem para ninguém. Como num jogo de futebol, o juiz não joga, garante o jogo. Se houver parcialidade, descumprimento das regras, o jogo é ilegítimo”, bradou diante da mesma corte que deu a Sérgio Moro o cheque em branco de poder continuar presidindo os processos da Lava Jato como um monarca absolutista.

O art. 44, inciso I do Estatuto da Advocacia afirma que OAB tem por finalidade a defesa da Constituição, da ordem jurídica, do Estado democrático de direito, dos direitos humanos e da justiça social, pugnando pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas. A mansidão acovardada e o cinismo institucional diante da agenda moralista que vem colocando o respeito a garantias constitucionais e o combate à corrupção em campos opostos fizeram com que a OAB não apenas fechasse os olhos para a verdadeira humilhação que se tornou o exercício da advocacia, como bem concluiu Lenio Streck, mas também postulasse, de forma atabalhoada, uma cadeira de destaque meio aos coveiros da democracia. “Sem qualquer favoritismo, digo que este Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem dado testemunho de nova mentalidade que inaugura uma nova era na vida institucional no País. Não tenho dúvida, de que prosseguirá neste rumo”. Neste ponto, infelizmente, Lamachia está mais do que certo.

Gustavo Henrique Freire Barbosa é Advogado e Professor.

Fonte: justificando

Lenio Streck e o ato falho do desembargador: Os votos já estavam prontos!




De 458 a.C. a 2018 d.C.: da derrota da vingança à vitória da moral!


Coincidentemente, no dia do julgamento do recurso do ex-presidente Lula no TRF-4 me encontro na Grécia. E visitei o templo da deusa Palas Atena.

Fiquei pensando sobre a história. Eu estava ali, no berço da civilização. E vendo o “lugar” em que a mitologia coloca o primeiro julgamento da história.

Os gregos inventaram a democracia. E, acreditem, também inventaram a autonomia do Direito.

O primeiro tribunal está lá na trilogia de Ésquilo, Oresteia, nas Eumênides, peça representada pela primeira vez em 458 a.C. Agamenon, no retorno da guerra de Troia, é assassinado na banheira de sua casa por sua mulher, Clitemnestra, e seu amante, Egisto.

Orestes, o filho desterrado de Agamenon, atiçado pelo deus Apolo, é induzido à vingança.

Até então, essa era a lei. Era a tradição. Orestes deveria matar sua mãe (Clitemnestra) e seu amante, Egisto. E ele mata os dois.

Aí vem a culpa. É assaltado pela anoia, a loucura que acomete quem mata sua própria gente. Ao assassinar sua mãe, Orestes desencadeia a fúria das Eríneas, que eram divindades das profundezas ctônicas (eram três: Alepho, Tisífone e Megera).

As Eríneas são as deusas da fúria, da raiva, da vingança (hoje todas as Eríneas e seus descendentes estão morando nos confins das redes sociais).

Apavorado, Orestes implora o apoio de Apolo. Pede um julgamento, que é aceito pela deusa da Justiça, Palas Atena.

Constitui-se, assim, o primeiro tribunal, cuja função era parar com as mortes de vingança. Antes, não havia tribunais. A vingança era “de ofício”.

As Eríneas berram na acusação. É o corifeu, o Coro que acusa. Não quer saber de nada, a não ser da condenação. E da entrega de Orestes à vingança.

Apolo foi o defensor. Orestes reconheceu a autoria, mas invoca a determinação de Apolo. E este faz uma defesa candente de Orestes.

Os votos dos jurados, depositados em uma urna, dão empate.

Palas Atena absolve Orestes, face ao empate. O primeiro in dubio pro reo.

Moral da história: rompe-se um ciclo. Acabam as vinganças. É uma antevisão da modernidade.

Em pleno século XXI, autoridades não escondem e acham normal que o Direito valha menos que seus desejos morais e políticos.

Na Oresteia, os desejos de vingança sucumbiram ao Direito. Embora a moral seja uma questão da modernidade, é possível dizer que o Direito, nesse julgamento, venceu a moral. Não aprendemos nada com isso.

Como falei alhures, o julgamento de Lula não é o Armagedom jurídico. Mas que o Direito já não será o mesmo, ah, isso não será.

Na verdade, o Direito foi substituído por uma TPP (teoria política do poder). O PCJ (privilégio cognitivo do juiz) vale mais do que as garantias processuais e toda a teoria da prova que já foi escrita até hoje.

O mundo apreendeu muito com a Oresteia. Depois do segundo pós-guerra, aprendemos que a democracia só se faz pelo Direito e com o Direito. E o Direito vale mais que a moral. E, se for necessário, vale mais do que a política.

Sim, quem não entender isso deve fazer qualquer coisa — como Sociologia, Ciência Política, Filosofia, religião, moral etc. —, menos praticar ou estudar Direito.

Temos um milhão de advogados, parcela dos quais se comporta como as Eríneas das Eumênides.

Vi, entristecido, aqui da Grécia, nas redes sociais brasileiras, pessoas formadas em Direito — muitas delas com pedigree — torcendo por coisas como “domínio do fato”, “ato de ofício indeterminado” e quejandos.

Parece que esquecemos que o Direito é/foi feito exatamente para impedir o triunfo das Eríneas.

Meus 28 anos de Ministério Público e quase 40 de magistério mostraram-me que, por mais que um discurso moral, político ou econômico seja tentador, ele deve pedágio ao Direito.

Alguém pode até confessar que matou alguém, mas, se essa confissão for produto de uma intercepção telefônica ilícita, deve ser absolvido, porque a prova foi ilícita. Esse é o custo da democracia.

Você pode pensar o que quiser sobre o réu; mas, como autoridade, só pode agir com responsabilidade política.

Dworkin, para mim o jurista do século XX, sempre disse que juiz decide por princípio, e não política ou moral. Simples assim.

E, assim, o custo da democracia é que a acusação, o Estado, deve ter o ônus da prova. Não é o juiz que faz a prova nem é o juiz que intui provas.

A teoria da prova é condição de possibilidade. Ou vamos apagar centenas de anos de teoria da prova.

Isso quer dizer, de novo — e minha chatice é produto de minha LEER (Lesão Por Esforço Epistêmico Repetitivo) —, Direito não pode ser corrigido pela moral. Isso tem me conduzido.

Disse isso nos momentos mais difíceis, inclusive no caso das nulidades contra Temer, de Aécio e dos indevidos pedidos de prisão do ex-presidente Sarney.

Bueno: é só acessar minhas mais de 300 colunas neste site. E meus mais de 40 livros. E 300 artigos.

Todas as semanas denuncio, aqui na ConJur, a predação do Direito pelos seus predadores naturais — a moral, a política e a economia.

E me permito repetir o poeta T. S. Eliot: numa terra de fugitivos, aquele que anda na direção contrária parece que está fugindo. Mais: faz escuro, mas eu canto, diria Thiago de Mello, eternizado pela voz de Nara Leão.

Por tudo isso, fazendo minha oração à deusa Palas Atena ao cair da tarde do dia 24 — com o peso de mais de mais de 2.500 anos de história e mitologia —, fico pensando no que vai acontecer com o Direito brasileiro depois disso tudo.

Se a moral e os subjetivismos valem mais do que o Direito, o que os professores ensinarão aos alunos? Teoria Política do Poder? Mas de quem? A favor e contra quem?

Por isso, de forma ortodoxa, mantenho-me nas trincheiras do Direito. É mais seguro.

Aliás, foi o que fez a diferença para a modernidade: a interdição entre a civilização e a barbárie se faz pelo Direito.

Até porque, se hoje você gosta do gol de mão, amanhã seu time pode perder com gol de mão. E aí não me venha com churumelas.

Post Scriptum: Há um momento do julgamento de Lula em que o presidente da turma diz: “Terminamos a primeira fase — a das sustentações orais. Faremos um intervalo de 5 minutos e, na volta, o relator lerá seu voto”.

Ups. Ato falho? O relator lerá seu voto? E as sustentações?

Lembro que, no julgamento mitológico de Orestes, os jurados não tinham o voto pronto. Cada um votou depois de ouvirem a defesa e a acusação.

É incrível como, no Brasil, 2.500 anos depois, os votos vêm prontos e não levam em conta nada do que foi dito nas sustentações orais. Nem disfarçam.

Afinal, por que manter, então, esse teatro? Se a decisão está tomada? Isso não é um desrespeito a quem sustenta?

Insisto: o ensino jurídico no Brasil tem futuro? Ficções da realidade e realidade das ficções!

E pior: há milhares de professores que, por aí afora, não protestam contra isso tudo. Aliás, de quem é a culpa do livre convencimento?

Os professores são coautores. Artigo 29 do CP na veia. Mesmo assim, resisto.

Lenio Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br

Fonte: viomundo

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Prisão de Lula incendiaria o país, diz Ministro Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello: "Eu duvido que o façam, porque não é a ordem jurídica constitucional" (STF/Divulgação)


Caso Lula seja preso, explica o ministro, se estaria acionando a nova jurisprudência do STF sobre a possibilidade de execução de pena

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta quarta-feira, 24, ao Broadcast Político, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, que uma eventual prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) incendiaria o Brasil.

“Eu duvido que o façam, porque não é a ordem jurídica constitucional. E, em segundo lugar, no pico de uma crise, um ato deste poderá incendiar o País”, afirmou o ministro logo após a manutenção da condenação de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4° Região (TRF-4).

Caso Lula seja preso, explica Marco Aurélio, se estaria acionando a nova jurisprudência do STF sobre a possibilidade de execução de pena após condenação em segundo grau.

O ministro, no entanto, defende a revisão do entendimento. “Se não for preso é porque essa jurisprudência realmente não encontra base na Constituição Federal, e tem que ser revista”, disse.

Marco Aurélio é relator de duas ações nas quais o STF firmou, em outubro de 2016, o entendimento de que é possível iniciar o cumprimento de pena após a condenação em segunda instância. O ministro foi voto vencido na época.

Agora, as ações estão liberadas para serem julgadas no mérito pelo plenário da Corte. Marco Aurélio lembrou do placar “apertado” em 2016. “Foi 6 a 5, será que nós outros cinco estávamos tão errados?”, indagou o ministro nesta quarta-feira.

“E se o Tribunal evoluir, vai evoluir em boa hora”, disse o ministro, que considera melhor que o STF decida o “quanto antes” sobre essas ações, que agora têm como pano de fundo o destino do petista.

“Para os cidadãos em geral, (prisão após segunda instância) é o que vem ocorrendo, agora eu quero ver, é uma prova dos nove dessa nova jurisprudência, como eu disse, se forem determinar a prisão do ex-presidente. Eu não acredito”, completou.

Fonte: revistaexame