sábado, 25 de novembro de 2017

CHEFÃO DO CRIME - Por James Walker Junior





Tenho certeza que muitos não entenderão estas minhas reflexões.

Não obstante, o objetivo é apenas provocar um debate crítico sobre a exposição midiática, o uso punitivista de informações, as rotulações infamantes e a mais absoluta incoerência de tratamento, sobre recorrentes termos empregados por autoridades, e veículos de comunicação, relativamente a pessoas presas, com nítido objetivo de emprestar gravidade e notoriedade criminosa aos agentes e, com isso, legitimar toda sorte de violações perante a “opinião publicada”.

Minha trajetória profissional não deixa margem a dúvidas quanto à minha postura defensiva, pelo que jamais proporia “isonomia do mal” a qualquer ser humano.

Mas senão, onde estaria a coerência dos órgãos de persecução penal diante das seguintes constatações?

O MPF assevera, reiteradamente, que os políticos presos no Rio de Janeiro fazem parte de organização criminosa [1].

As autoridades reconhecem, publicamente, a rivalidade histórica de Cabral e Garotinho, rotulando-os, inclusive, como líderes de “facções rivais” [2] (será que dissidências no CV e na ADA inauguraram outras siglas, do tipo PR ou PMDB ? - na dúvida perguntem ao MPF).

No Rio de Janeiro, invariavelmente, convivemos com o pavor da sociedade, e das autoridades, com o possível retorno dos “chefões do crime organizado” ao sistema prisional do nosso estado [3].

Mas o que não se explica, seja através da mídia, ou das autoridades que rotulam um indivíduo como “chefão do crime”, é o seguinte: 

(i) quem afere a qualidade de “chefão”? 

(ii) é qualquer facção criminosa que deve ser banida para os confins áridos e desumanos dos presídios federais, ou esse banimento é seletivo? 

(iii) quais facções são mais cruéis e deletérias à sociedade fluminense, para se emprestar tratamentos distintos aos “chefões” que por aí estão?

Parece-me inexorável que, para dar ares de extrema periculosidade e gravidade aos “chefões da organização criminosa política”, a mídia, em absoluta harmonia com os órgãos de persecução, rotulam pessoas como inimigos de estado, exatamente como fazem com traficantes, por exemplo, muito embora, no momento de dar cumprimento às medidas segregatórias, como em um passe de mágica, alguns continuam altamente perigosos (os das siglas ADA e CV, por exemplo), e são imediatamente remetidos ao limbo, enquanto outros (de siglas mais nobres(?) PR e PMDB, por exemplo), continuam mantidos em situação não condizente com a suposta “gravidade” ou “periculosidade” aventada pela mídia e autoridades.

Repito, não estou fomentando, absolutamente, a isonomia do mal.

Muito pelo contrário, apenas tenho a mais perfeita convicção de que o jogo de palavras e a rotulação pública, têm o nítido propósito de transformar pessoas em monstros execráveis, que nem sempre corresponde ao grau de culpa ou de periculosidade de seus atos, e isso serve para o “chefão” da política, do tráfico, da igreja, do futebol, da saúde, das organizações televisivas, dos templos, das empresas de ônibus, dos jogos de azar, ou mesmo para os “monstros da Escola Base” [4], assim rotulados pela mídia e autoridades.

Basta a mídia eleger o inimigo da vez, e este será estigmatizado nacionalmente, pouco importando sua culpa, a prova dos autos e os “detalhes” inscritos nas garantias constitucionais, hoje, infelizmente, reduzidas a meros “detalhes”.

Lendo os jornais, fico tomado de dúvidas, vejo o MPF apontando meio mundo como “líder de facção criminosa”, nesta mesma mídia, assisto a um dos personagens mais influentes do cenário nacional, senador da república e líder do governo afirmar, na Agência Reuters (mais poderosa agência de notícias do mundo), que o ex Procurador-geral da República também é “líder de facção” [5], o que nos leva a crer, sem receio do equívoco, que todo canalha, quando quer iniciar a ofensiva de destruição da reputação alheia, começa pelo clichê de rotular seu inimigo com a pecha de “líder de facção”.

Com efeito, observo que esse expediente virou rotina em relação a qualquer investigado que disponha de alguma notoriedade.

Essa prática não é mera coincidência, trata-se de uma estratégia de desmoralização para tentar capturar a opinião pública, agravar situações jurídicas e legitimar iniciativas persecutórias desnecessárias ou perversas.

Há pouco tempo essa rotulação estratégica alcançou o estado da arte no episódio cômico/acusatório/midiático promovido contra o ex-presidente Lula, a hoje famosa apresentação de PowerPoint, onde o “tiro saiu pela culatra” e, o que era para ser uma exibição de gala acusatória, passou a um espetáculo mambembe.

Ainda assim, naquela oportunidade, o termo variou em sua modulação de gravidade e as autoridades inovaram com a pecha de “comandante máximo” [6], algo que, de tão tosco e inventivo, ganhou ares de ficção e infantilidade, lembrando termos empregados ao próprio Lord Darth Vader, da série Star Wars.

Vale pontuar que, independentemente de tantos cargos de “chefia” (no crime), o estado ainda é o responsável pela segurança e integridade de seus custodiados, e que o tempo de prisões de tortura, de humilhação, de banimento, já passaram, deixando em nosso país uma marca indelével de um período de retrocesso extremo.

Tem-se notícia, inclusive, de ameaças já realizadas entre os “chefões” [7], lembrando que quando a ameaça foi contra si, um magistrado tratou de determinar o banimento do preso [8], imediatamente, para o “outro mundo” dos presídios federais.

Diante disso, ficam as proposições aos leitores, que isentos de preconceitos ou julgamentos, deveriam refletir sobre a validade dos termos “chefão” e “líder de facção”, fazendo-se necessário depurar quem está rotulando, e em que situações.

Será que aqueles que hoje estão em presídios federais são realmente “chefões”’de alguma coisa?

Os “chefões” já rotulados recentemente na Lava Jato também seriam realmente “chefões”?

Mas se o são, por que ainda estão longe dos presídios federais?

A justiça estará admitindo a sua seletividade para o banimento aos presídios federais, ou será que essa rotulação é fraudulenta?

Na hipótese de manipulação da pecha de “chefão”, com o objetivo de agravar acusações, isso também não aconteceu com os que hoje estão encarcerados nas masmorras federais?

Diz-se que numa guerra, “a glória suprema é quebrar a resistência do inimigo sem lutar” (in. Sun Tzu - “A arte da guerra” - escrito há mais de 2 mil anos, e ainda hoje alimenta os delírios daqueles que entendem que a guerra é vital para a existência do estado), ou seja, engendrar a destruição do outro, sem o dispêndio próprio do confronto, e neste aspecto, ninguém pode ser mais poderoso que a imprensa, a trituradora de reputações, que nestes tempos, transformou-se numa verdadeira máquina de manipulação de massa.

São histórias que se repetem, através de mecanismos que se aperfeiçoam, mas sempre com o mesmo objetivo, leia-se, perseguir e gerar poder.

Que ninguém duvide que a justiça de hoje não tenha os mesmos traços dos tribunais eclesiásticos (seu antepassado), que no carrasco, não resida a ancentralidade dos órgãos de persecução, e que no chamamento ao povo para queimar a bruxa em praça pública, não esteja a genealogia da mídia punitivista.









James Walker, advogado criminalista, professor universitário e Presidente da ABRACRIM-RJ Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.

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