quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Duelo de gigantes no mundo jurídico: quem tem razão?



Não é novidade pra ninguém neste país que a condenação do José Dirceu mexeu com os brios de muita gente no mundo político, e jurídico também. De um lado, seus simpatizantes e seguidores, muito deles pertencentes ao Partido dos Trabalhadores que o conhece de longa data e acompanhou sua trajetória política e do outro, os não simpatizantes e não seguidores, a oposição ao PT propriamente dita. Teria sido o José Dirceu condenado por motivação política e sem as provas necessárias para o seu trancafiamento? Ou a insatisfação dos inconformados com a condenação do José Dirceu não passa de uma revolta de grupos que o admiram e o defendem?

Pelo sim, pelo não, dois dos maiores juristas deste país, emitiram seus pontos de vistas sobre a questão jurídica envolvendo a condenação do Zé Dirceu, que também é advogado e brilhante até onde se sabe.

O Jurista Ives Gandra Martins é enfático ao afirmar que “não há provas contra o José Dirceu”. Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, o nobre e grande jurista diz que estudou o acórdão lavrado na Ação Penal 470 e não encontrou nele nenhuma evidência contra o condenado e que com essa condenação abriu-se uma “grande insegurança jurídica”.

Interessante destacar a matéria publicada ainda na data de 23 de setembro de 2013, pelo brasil247, na íntegra:



IVES GANDRA: "NÃO HÁ PROVAS CONTRA JOSÉ DIRCEU"

Jurista Ives Gandra Martins, um dos mais respeitados do País, concede entrevista bombástica à jornalista Mônica Bergamo; nela, afirma que estudou todo o acórdão da Ação Penal 470 e não encontrou uma única evidência contra o ex-ministro da Casa Civil; mais: disse ainda que a teoria do domínio do fato, importada pelo STF para julgar o caso específico de Dirceu, não é usada nem na Alemanha; Gandra diz ainda que, depois do precedente, abre-se um território de grande "insegurança jurídica" no País para executivos e empresários, que poderão ser condenados da mesma forma; detalhe: Gandra é um dos mais notórios conservadores do País e antagonista histórico do petismo

247 - A entrevista do jurista Ives Gandra Martins à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, cairá como uma bomba no meio jurídico. Um dos mais respeitados e consistentes juristas do País, Gandra Martins afirma que, em todo o acórdão da Ação Penal 470, não se encontra uma única prova contra o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu. Ele afirma ainda que a condenação imposta a ele pelo Supremo Tribunal Federal atira o País num terreno de grande "insegurança jurídica", em que empresários e executivos poderão ser condenados pela teoria do "domínio do fato" – que não é aplicada nem na Alemanha.

A entrevista será o assunto mais comentado nos meios políticos e jurídicos nos próximos dias, mas, curiosamente, a Folha não deu sequer chamada de capa a ela, em sua edição dominical. Confira, abaixo, os pontos mais importantes do que Ives Gandra Martins, que é também um dos mais notórios conservadores do País, disse a Mônica Bergamo (a entrevista completa pode ser lida aqui):

O domínio do fato

Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento dela – e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado, com 56 anos de advocacia, isso me preocupa. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a do "in dubio pro reo" [a dúvida favorece o réu].

Dirceu, condenado sem provas

O domínio do fato é novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa teoria. Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na Alemanha ela não é aplicada. E foi com base nela que condenaram José Dirceu como chefe de quadrilha [do mensalão]. Aliás, pela teoria do domínio do fato, o maior beneficiário era o presidente Lula, o que vale dizer que se trouxe a teoria pela metade.

Embargos infringentes

Eu me dou bem com o Zé, apesar de termos divergido sempre e muito. Não há provas contra ele. Nos embargos infringentes, o Dirceu dificilmente vai ser condenado pelo crime de quadrilha.

A pressão da mídia

O ministro Marco Aurélio [Mello] deu a entender, no voto dele [contra os embargos infringentes], que houve essa pressão. Mas o próprio Marco Aurélio nunca deu atenção à mídia. O [ministro] Gilmar Mendes nunca deu atenção à mídia, sempre votou como quis. Eles estão preocupados, na verdade, com a reação da sociedade. Nesse caso se discute pela primeira vez no Brasil, em profundidade, se os políticos desonestos devem ou não ser punidos. O fato de ter juntado 40 réus e se transformado num caso político tornou o julgamento paradigmático: vamos ou não entrar em uma nova era? E o Supremo sentiu o peso da decisão. Tudo isso influenciou para a adoção da teoria do domínio do fato.

Julgamento político

Pode ter alguma conotação política. Aliás o Marco Aurélio deu bem essa conotação. E o Gilmar também. Disse que esse é um caso que abala a estrutura da política. Os tribunais do mundo inteiro são cortes políticas também, no sentido de manter a estabilidade das instituições. A função da Suprema Corte é menos fazer justiça e mais dar essa estabilidade. Todos os ministros têm suas posições, políticas inclusive.

A postura de Ricardo Lewandowski

Ele ficou exatamente no direito e foi sacrificado por isso na população. Mas foi mantendo a postura, com tranquilidade e integridade. Na comunidade jurídica, continua bem visto, como um homem com a coragem de ter enfrentado tudo sozinho.

A postura de Joaquim Barbosa

É extremamente culto. No tribunal, é duro e às vezes indelicado com os colegas. Até o governo Lula, os ministros tinham debates duros, mas extremamente respeitosos. Agora, não. Mudou um pouco o estilo. Houve uma mudança de perfil.

Os choques entre poderes

A tradição, por exemplo, de nunca invadir as competências [de outro poder] não existe mais. O STF virou um legislador ativo. Pelo artigo 49, inciso 11, da Constituição, Congresso pode anular decisões do Supremo. E, se houver um conflito entre os poderes, o Congresso pode chamar as Forças Armadas. É um risco que tem que ser evitado. Pela tradição, num julgamento como o do mensalão, eles julgariam em função do "in dubio pro reo". Pode ser que reflua e que o Supremo volte a ser como era antigamente. É possível que, para outros [julgamentos], voltem a adotar a teoria do "in dubio pro reo".

Insegurança jurídica

A teoria do domínio do fato traz insegurança para todo mundo.


Na outra ponta desse estopim jurídico, se encontra outro grande jurista, o eminente Dalmo de Abreu Dallari, em matéria publicada também pelo brasil247, em data de 7 de fevereiro de 2015, aponta fragilidade nos argumentos do outro jurista Ives Gandra Martins. Segundo o jurista Dalmo de Abreu Dallari, que defendeu o impeachment da Presidente Dilma Rousseff, o parecer do Dr. Ives Gandra é inconsistente.

Por uma questão de equidade e democracia, se faz necessário também consignar neste espaço a matéria publicada pelo brasil247, em data de 7 de fevereiro de 2015, referente ao eminente jurista Dalmo de Abreu Dallari, na íntegra:


DALLARI FAZ PICADINHO DO PARECER DE GANDRA E FHC




Jurista Dalmo de Abreu Dallari aponta a fragilidade dos argumentos de Ives Gandra Marins, no parecer em que defendeu o impeachment da presidente Dilma Rousseff; "Esse parecer do Dr. Ives Gandra é absolutamente inconsistente. Ele cita uma porção de artigos e leis, mas não cita um único fato que demonstre a responsabilidade da presidente Dilma. O que ele está fazendo é uma aplicação da chamada doutrina do conhecimento do fato, ou domínio do fato, e que é absolutamente absurda, não é juridicamente aceitável", diz ele; Dallari afirma, ainda, que se a tese fosse válida o ex-presidente FHC, cujo advogado solicitou o parecer, deveria perder seus direitos políticos em razão do caso Alstom

247 - O jurista Dalmo Dallari, um dos mais respeitados do País, rebateu o parecer de Ives Gandra Martins, encomendado por um advogado ligado ao Instituto Fernando Henrique Cardoso, sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Dallari concedeu entrevista à assessoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que pode ser lida abaixo:

Em entrevista concedida de Paris, por telefone, à assessoria de comunicação do mandato do deputado federal Paulo Teixeira, realizada na tarde desta sexta-feira (6/2), o jurista Dalmo Dallari acusou o também jurista Ives Gandra de elaborar um parecer “absolutamente inconsistente” sugerindo a existência de elementos para a abertura de um processo de impeachment da presidenta Dilma. “Eu não vejo a mínima consistência nessa tentativa de criar uma base jurídica para o impeachment”, afirmou.

Professor emérito da Faculdade de Direito da USP e especialista em Direito do Estado, Dallari chamou de absurda a aplicação da doutrina do domínio do fato no caso Petrobras e lembrou que, se fossem seguir a lógica sugerida por Ives Gandra, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deveria perder seus direitos políticos e todos os senadores do país poderiam ser igualmente cassados. “A Constituição, no artigo 52, dá como atribuição do Senado ‘processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade’”, disse. “Portanto, se ele considera que, mesmo sem comprovação de conhecimento direto, existe a obrigação de agir, então essa obrigação existe para os senadores também.”

Na hipótese de parlamentares de oposição levarem adiante um pedido de impeachment, Dallari sugere recorrer ao Supremo Tribunal Federal com um mandado de segurança. “Uma ação visando cassar direitos sem haver nenhuma fundamentação é claramente inconstitucional”, cravou.

O sr. tomou conhecimento do parecer divulgado pelo Dr. Ives Gandra Martins? Concorda que há base jurídica para pedir o impeachment de Dilma?

Esse parecer do Dr. Ives Gandra é absolutamente inconsistente. Ele cita uma porção de artigos e leis, mas não cita um único fato que demonstre a responsabilidade da presidente Dilma. O que ele está fazendo é uma aplicação da chamada doutrina do conhecimento do fato, ou domínio do fato, e que é absolutamente absurda, não é juridicamente aceitável. Ele de fato não fez a mínima demonstração, nem por via direta ou indireta, de que a presidente tivesse conhecimento do que ocorria de irregular dentro da Petrobras, de maneira que eu não vejo a mínima consistência nessa tentativa de criar uma base jurídica para o impeachment. Aliás, posso acrescentar um dado interessante. Se a base for simplesmente esta, se a obrigação de zelar pela probidade administrativa for suficiente para a cassação de um mandato, então deveriam, pela mesma lógica, ser cassados os mandatos de todos os senadores.

Por quê?

Porque a Constituição, no artigo 52, dá como atribuição do Senado “processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade”. Portanto, se ele considera que, mesmo sem comprovação de conhecimento direto, existe a obrigação de agir, então essa obrigação existe para os senadores também. Coerentemente, ele deveria propor a cassação do mandato de todos os senadores por crime de responsabilidade, o que é evidente absurdo. Há um jogo evidentemente político tentando criar uma aparente fundamentação jurídica que, de fato, não existe. É pura tentativa de criar uma aparência de legalidade quando o que existe é um objetivo político, nada mais.

Depoimentos recentes na delação premiada indicaram que os desvios datam de 1997 e teriam chegado ao auge em 2000. Se isso se comprovar, poderia resvalar de alguma forma no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

É curioso que acaba de ser publicada no jornal francês Le Monde uma matéria a respeito da empresa francesa Alstom, que atua no metrô brasileiro, e que, segundo o jornal, já em 1998 praticava corrupção no Brasil. Em 1998, o presidente era o Fernando Henrique Cardoso. Então (pela mesma lógica) ele deveria perder os direitos políticos. Ele deve ser considerado conivente. Foi omisso, permitiu que uma empresa estrangeira praticasse corrupção no Brasil. Isso mostra, também, o absurdo dessa tentativa de criar uma imagem de responsabilidade jurídica quando não há de fato nenhum fundamento para essa responsabilização.

O sr. está acompanhando o processo da Petrobras de Paris? Que avaliação o sr. faz dos encaminhamentos recentes?

Estou acompanhando. Verifiquei um dado muito interessante, num artigo do Janio de Freitas, que vai frontalmente contra as afirmações do parecer do Ives Gandra, quando ele diz que a presidente destruiu a Petrobras. Uma compilação de dados de agora mostra que, em 2014, a Petrobras obteve proveitos excepcionais. Ela cresceu muito. Não houve essa destruição que é expressamente referida no parecer de Ives Gandra. É mais um elemento para demonstrar que essa argumentação é inconsistente. Isso apenas revela uma tentativa de políticos inconformados porque perderam a eleição e não conseguem retornar ao poder. No caso do Ives Gandra, ele pura e simplesmente recebeu para fazer um parecer dizendo isso. Toda a carreira dele é no sentido de uma posição de estrema direita, ultraconservadora, de maneira que tudo isso faz com que seu parecer não tenha nenhuma importância jurídica.

Numa especulação rasteira, se a oposição levar adiante qualquer tipo de proposta de impeachment, como o sr. acha que vai se dar o debate?

Acho que caberia um mandato de segurança, uma ação no Supremo Tribunal Federal bloqueando essa iniciativa por absoluta falta de fundamento jurídico. Aí, sim, o cabimento é tranqüilo, direto, indiscutível. Uma ação do Parlamento visando cassar direitos sem haver nenhuma fundamentação é claramente inconstitucional. Então caberia um mandato de segurança para a sustação de um projeto nesse sentido.


Posto em baila essas duas matérias, recheadas de pontos e contrapontos jurídicos, é de se perguntar, quem tem razão?

Elder Pereira
Administrador do Blog

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