quarta-feira, 26 de junho de 2019

VazaJato: quem faz política é político. Juiz é outra coisa





VazaJato: Se o governo vai mal, o juiz pode agir para mudar esse governo? Se as leis são ruins, ele pode mudar as leis? Pode o juiz agir em parceria com a acusação?

Arte: Daniel Caseiro. 

Por Thomas Bustamante

“Eu prefiro por ignorância sobre a verdade do fato ou por falta de provas sobre ele absolver dez culpados do que condenar um inocente. É pela graça e a bondade de Deus que eu próprio nunca cometi grandes imoralidades como aquelas sobre as quais eu exerço jurisdição. Eu estou sujeito às mesmas paixões e inclinações e corrupções que esses mesmos malfeitores têm. … Mas apesar de o dever de meu cargo exigir [que eu faça] justiça e possivelmente aplique punições severas para os crimes, ainda assim o senso comum de humanidade e de fragilidade humana devem, ao mesmo tempo, provocar em mim grande compaixão pelos criminosos.” [1]

Infelizmente, essa citação não é de Moro, mas do juiz inglês Matthew Hale, que as escreveu em seu diário pessoal em 1.668.

Hale viveu dois Golpes de Estado e um regicídio, e permaneceu juiz ao longo de todos eles. Apesar de monarquista, sempre se esforçou para distanciar-se das turbulências políticas de seu tempo e para aplicar de modo responsável e imparcial o direito. Talvez tenha sido o mais importante jurista do common lawdo século XVII, e seus escritos são profundamente contemporâneos.

Diante do regicídio e da ascensão de Cromwell na Inglaterra, Hale renunciou ao posto de juiz, mas poucos meses depois foi convidado pelo novo soberano a assumir uma importante função judicial. Recusou, mas diante de uma carta de Cromwell foi convencido a retornar à função de juiz porque Cromwell lhe prometeu que só o havia convidado à função porque com isso expressava “profunda lealdade ao common law e sua convicção de que o poder governante, como quer que fosse constituído, deveria responder diante do direito” [2].

Após a morte de Cromwell, Hale renuncia novamente porque não via legitimidade em seu sucessor, mas quando a monarquia é reestabelecida ele é chamado a promover uma conciliação entre parlamentaristas e monarquistas, chegando à fórmula contemporânea de uma monarquia submetida à soberania do parlamento.

O princípio mais fundamental de Hale era de que a autoridade do governo é subordinada ao Direito. É o direito, não o governo, quem exerce a soberania, e é com base nesse direito, não no direito fixado por um ato unilateral de vontade, que a jurisdição deve ser exercida. É com base nos princípios implícitos nas práticas sociais que constituem o Direito, e não nas interpretações privadas que os intérpretes possuam.


Deltan – 22:19:29 – E parabéns pelo imenso apoio público hoje. Você hoje não é mais apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro (ainda que isso não tenha sido buscado). Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal. Sei que vê isso como uma grande responsabilidade e fico contente porque todos conhecemos sua competência, equilíbrio e dedicação.

Moro – 22:31:53 – Fiz uma manifestação oficial. Parabens a todos nós.

Moro – 22:48:46 – Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o congresso. O melhor seria o congresso se autolimpar mas isso nao está no horizonte. E nao sei se o stf tem força suficiente para processar e condenar tantos e tao poderosos.

Deltan – 22:59:49 – Vi. Ficou ótima.

Deltan – 23:03:37 – Não vai acontecer. A experiência italiana é um exemplo das dificuldades. Se aprovarmos as 10 medidas (já contam com mais de 1,6 mi de assinaturas, e apoio crescente dos parlamentares), o próximo passo que podemos dar é o fim do foro por prerrogativa de função, reservando-o para 15 pessoas. Teremos voz para isso, pq os casos do supremo não andarão com 1/10 da celeridade. Sei que tudo é dificil, mas precisamos acreditar e fazer. Foi em razão da experiência com o Banestado que no ano passado investi tanto tempo nas 10 medidas. Se não mudarmos o sistema, sabemos o que acontecerá com os casos. No Congresso já há um acordo de líderes encaminhado para, mediante projeto de lei, reverter a recente decisão do STF. Precisamos atacar e avançar no âmbito legislativo tanto quanto nas ações penais.

Moro – 23:07:10 – Sei do projeto mas nao acredito que terao coragem no momento. mas o clima pode mudar. Bem. Vamos passo a passo, dia a dia.

Deltan – 23:14:53 – Preciso que Vc assuma mais as 10 medidas ou outras mudanças em que acredite também, se entender que isso não trará problemas sérios. A sociedade quer mudanças, quer um novo caminho, e espera líderes sérios e reconhecidos que apontem o caminho. Você é o cara. Não é por nós nem pelo caso (embora afete diretamente os resultados do caso), mas pela sociedade e pelo futuro do país. [3]

Saímos de Mathew Hale, um dos maiores juristas da história do sistema jurídico mais antigo em vigor no mundo, para Luís Roberto Barroso. Dallagnol e Moro seguem o conselho de Barroso e estão “empurrando a história”. Estão tomando a frente do processo de mudança do direito. Enquanto Hale entendia que o seu dever como magistrado era o de fidelidade ao direito, a seus princípios, normas e convenções, o Iluminista Tupiniquim crê que o seu sistema jurídico está em um estágio civilizatório inferior e que o papel do jurista é mudar esse sistema em direção a um suposto futuro melhor. Se o governo vai mal, o juiz pode agir para mudar esse governo. Se as leis são excessivamente garantistas, que se mudem as leis. As convicções e interpretações privadas são mais importantes. Os nobres fins que movem a ação puritana dos juízes, elevados à categoria de princípios absolutos, tornam secundária qualquer objeção, e passam a justificar qualquer decisão.

Perdem-se os limites na busca desse bem maior. Ah, dir-se-ia: “mas o que são esses limites, diante da grandeza dos fins e dos bens que os nobres missionários estão a proteger?” Só a cegueira de alguns pode justificar a formulação dessa pergunta. A resposta é tão óbvia que eu me recuso a respondê-la e me sinto autorizado a criticar aqueles que formulam essa pergunta pelo simples fato de fazê-lo, pois esses limites são a essência e o núcleo do próprio conceito de Estado de Direito.

Thomas Bustamante é Professor Associado da Universidade Federal de Minas Gerais

Fonte: justificando

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