O país vive hoje uma de suas eleições mais
acirradas da História e tem a possibilidade real de uma candidatura
fascista ter a possibilidade de definir os rumos do país nos próximos
quatro anos. Todos os dias surgem notícias de setores da sociedade
conclamando suas redes para impedir a vitória dessa figura nefasta, e
chamou a atenção a grande mobilização de mulheres brasileiras em torno
deste lema, gerando a campanha #EleNão, talvez a marca mais destacada do pleito, superando nas redes sociais as menções inclusive de jingles dos candidatos.
Não
é para menos, afinal de contas, em décadas de atividade parlamentar do
candidato inominável, foram muitas as declarações que atacaram
frontalmente os direitos humanos das mulheres. Xingamentos, ofensas,
humilhações e rebaixamento da condição da mulher. Se nos engajamos nessa
campanha, é também por instinto de sobrevivência. O Estado não pode ser
incentivador de nossa morte, da tomada dos direitos sobre nossa vida e
nossos corpos com um presidente que nega até mesmo a existência do
feminicídio, tema de nosso artigo.
Antes de mais nada, é preciso
explicar. O que é feminicídio? Feminicídio é o termo usado para
denominar assassinatos de mulheres cometidos em razão do gênero. Ou
seja, quando a vítima é morta por ser mulher.
A
palavra feminicídio é oriunda do termo femicídio, cunhado pela
socióloga sul-africana Diana Russell em 1976 durante o Tribunal
Internacional de Crimes contra Mulheres, ocorrido na Bélgica. Um crime é
considerado feminicídio quando for cometido contra uma vítima por ela
ser do sexo feminino.
Por isso houve a distinção entre o homicídio
e o feminicídio, por considerar que o crime praticado contra alguém por
sua condição de mulher deveria ter um tratamento diferenciado em
relação ao assassinato classificado como homicídio.
O termo surgiu
no Brasil pela primeira vez em 2012, na Comissão Parlamentar Mista da
Violência contra a Mulher, porém se tornou crime a partir da Lei 13.104 de 2015, promulgada pela presidenta Dilma Rousseff. O feminicídio é considerado um homicídio qualificado e está na lista de crimes hediondos, com penas mais altas. Para um homicídio simples, a pena varia entre 6 e 20 anos. Já para feminicídio, a pena varia de 12 a 30 anos.
Segundo a lei, para ser considerado feminicídio, as situações devem envolver violência doméstica e familiar
ou discriminação à condição de mulher. Mas o que isso significa
exatamente? Significa que houve uma situação de dominação ou humilhação,
sendo o autor do crime conhecido ou não da vítima.
A ampla
maioria dos feminicídios é praticado pelo parceiro ou ex-parceiro da
vítima. No estado de São Paulo, por exemplo, 96% dos feminicídios foram
nessas circunstâncias. No entanto um crime praticado por um desconhecido
pode sim ser considerado um feminicídio. Se o crime foi praticado em
ambiente familiar e doméstico, ou quando há menosprezo e discriminação
no ato criminoso, ele se enquadra na terminologia.
De acordo com o
estudo “Diretrizes Nacionais – Feminicídio”, lançado pela ONU em
parceria com o governo federal em 2016 mostram que as circunstâncias do
feminicídio são diversas e incluem desde violência familiar, a
exploração sexual, o tráfico de mulheres, cárcere privado, emprego de
tortura, uso de meio cruel ou degradante, mutilação ou desfiguração das
partes do corpo associadas à feminilidade e ao feminino, como os seios,
ventre e órgãos sexuais.
O assunto é grave e requer atenção. O
Brasil é o 5º país do mundo com maior número de feminicídios, aponta o
Mapa da Violência. Só em 2017, segundo a ONU, foram 4600 casos, o que
equivale entre 12 a 13 mulheres mortas todos os dias no país nessas
condições.
Levantamento divulgado pelo Ministério dos Direitos
Humanos em agosto deste ano mostra que o Ligue 180 – Central de
Atendimento à Mulher registrou, apenas entre janeiro e julho de 2018,
547 tentativas de feminicídios e 27 feminicídios consumados. Ao todo, o
serviço contabilizou 79.661 relatos de violência contra a mulher em
geral. Como infelizmente ainda existe a subnotificação e muitas mulheres
desconhecem o Ligue 180, esse número provavelmente é muito maior.
Portanto,
não podemos permitir que por razões ideológicas e em nome de projetos
de poder, crimes graves como o feminicídio sejam minimizados ou
descaracterizados. Para isso, é fundamental estarmos atentos a algumas
políticas que auxiliam no combate e prevenção ao feminicídio.
A
conscientização da população por meio da educação, inclusive desde os
níveis básicos de ensino, é muito importante. O machismo e a misoginia
são elementos estruturantes de nossa formação. A superação deste
problema passa por não naturalizar a violência contra a mulher, como se
fosse algo presente no cotidiano e uma situação que diz respeito apenas
ao casal. É tempo de acabar com o ditado que “em briga de marido e
mulher, ninguém mete a colher”.
O poder público precisa criar
meios de amparo à vítima e sua família, em especial seus filhos. Eu
citei agora pouco que há uma média de 12 a 13 mulheres mortas
diariamente no país. Não podemos reduzir a dor das mulheres
sobreviventes de uma tentativa de feminicídio ou o sofrimento de
famílias das vítimas a números. É preciso dar publicidade, conhecer as
histórias dessas redes de pessoas para que nunca mais aconteça.
Nesse
sentido, é preciso parabenizar a decisão da 3ª Turma Criminal do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal que negou apelação de homem
condenado por agredir ex-companheira indicando que, em caso de crimes de
violência doméstica, a prisão não pode ser substituída por pena
restritiva de direitos.
O próprio TJ/DF e o STJ ressaltaram na
decisão que as declarações da vítima de violência doméstica e familiar
assume especial importância tendo em vista que crimes dessa natureza são
comumente praticados na clandestinidade, com nenhuma ou poucas
testemunhas.
Por fim, devemos apostar em profissionais que tenham
condições de atender e acolher respeitosa e adequadamente as mulheres
vítimas de violência, seja por valorização profissional ou estruturação
das condições de trabalho, inclusive nas delegacias de polícia, onde
muitas vezes a autoridade de plantão desautoriza ou não incentiva o
registro de ocorrência como tentativa de feminicídio, o que torna ainda
mais vulnerável e sem perspectiva de saída da situação em que a mulher
se encontra.
O alerta é grave e causa preocupação quando vemos
que, dos 13 candidatos à Presidência, apenas três citam concretamente a
questão do feminicídio e propõe iniciativas para combatê-lo: Fernando
Haddad (PT), Guilherme Boulos (PSOL) e Marina Silva (Rede). O fato
mostra como ainda estamos distantes, apesar de tantos avanços nos
últimos anos, de estarmos livres e com a garantia de que não seremos
mortas a qualquer momento por sermos mulheres.
Advogada- OAB/DF 59.473
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