Lourdes Dalla Costa está prestes a ser formar em Direito aos 78 anos | Foto: Guilherme Santos/Sul21 |
Luís
Eduardo Gomes
Todo
início de ano é o período em que muitos jovens pelo Brasil mudam de vida. É
quando sai o resultado do Enem, vestibulares, Sisu e ProUni e se decide o
ingresso na faculdade. Para outros, é tempo de formatura, conclusão dessa etapa
e início de uma nova. Mas, não é só quem está na ‘flor da idade’ que vive essas
experiências. Aos 78 anos – completa 79 em maio -, Lourdes Dalla Costa está
contando os dias para a sua cerimônia de formatura em Direito, mais de quarenta
anos depois de concluir o primeiro curso superior.
Lourdes
concluiu a primeira faculdade, de Enfermagem na Ufrgs, em 1974. Logo após, foi
aprovada em um concurso para o cargo de enfermeira do Ministério da Previdência
e da Saúde – as duas pastas ainda eram vinculadas na época. Passar em concurso,
porém, não a estimulou a ficar parada, pelo contrário. Durante sua carreira na
área da Saúde, fez alguns cursos de pós-graduação, em áreas como enfermagem
psiquiátrica, por exemplo.
Como
já tinha experiência de trabalho anterior, conseguiu se aposentar cedo, em
1993, aos 56 anos. Após mais alguns anos trabalhando em clínicas particulares,
resolveu descansar de vez, se dedicando apenas a atividades como natação e
viagens. “Fiquei por minha conta, fazendo as coisas que eu queria”, conta.
Contudo,
com o passar do tempo, a vontade de voltar a estudar acabou retornando.”Eu
sempre queria fazer outra faculdade. Eu pensava que a gente perde o trem, vai
ficando atrasada”, diz.
Juntamente
com uma colega de Igreja, Maria Francisca Coruja, 86 anos, professora também
aposentada, começou a pensar na ideia de voltar a estudar. “A gente se
encontrava muito na Igreja da Conceição, porque ela mora bem pertinho e eu
também. E aí eu disse: ‘eu acho que vou começar a fazer uma faculdade. E a
Maria Francisca disse: “aí, eu também quero fazer um curso”.
Como
era formada na Ufrgs, tentou um reingresso na universidade, mas foi informada
que só havia vagas disponíveis em cursos menos procurados. Como queria Direito,
procurou uma instituição particular. “Eu fui na Ritter, fui na PUCRS, fui no
Unilasalle”. Como a última oferece descontos de 50% para idosos que cursam até
três disciplinas por semestre, optou por ela.
Entraram
as duas em 2008. Mais rápida, Francisca se formou em agosto passado. Lourdes
cola grau no próximo dia 13 de fevereiro.
Lourdes mostra a foto com sua turma de formandos e brinca: ‘Esse era simpática’. ‘Esse era safado, faltava muita aula’ | Foto: Guilherme Santos/Sul21 |
Por
que o Direito?
“A
gente está sempre envolto com pessoas, principalmente dentro da Igreja tem
muitos que vão pedir conselhos. Porque se separou do marido, ou os filhos foram
pegos pelo marido e não está dando pensão, ou então a outra que saiu de casa e
deixou os filhos com o marido e agora quer ficar com eles. Então, tem muita
polêmica de relacionamento entre marido e mulher quando querem se separar ou
quando tem filho no meio”, explica sobre o interesse em cursar Direito.
Por
outro lado, diz que não pensa em trabalhar em escritórios. “Não, eu fiz para
conhecimento meu e, de repente, poder discutir com um advogado alguma coisa que
eu vejo que não tá certo”, diz, salientando que não fez o curso visando ter uma
nova carreira. “Graças a Deus, eu tenho meu pé de meia e não preciso. Também
quero viajar mais um pouquinho, fazer minhas coisinhas de lazer”.
Educação
na terceira idade está em alta
Se
há algum tempo casos como o de Lourdes eram raros, agora pode-se dizer que eles
são quase uma tendência. De acordo com números do Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais (Inep), em 2009, 3.798 brasileiros com mais de 65 anos
estavam matriculados em alguma faculdade do País (2.769 de forma presencial e
1.029 à distância). No RS, eram 333 (63 presencial e 60 à distância).
No
último Censo da Educação Superior, realizado em 2013, o número total de
matrículas já tinha saltado para 5.336 (3.930 presenciais e 1.406 à distância)
no Brasil e para 446 no RS (365 presenciais e 81 à distância). Como Lourdes, a
maioria dos alunos estão matriculados em cursos superiores de instituições
privadas, 4.312 no Brasil e 371 no RS.
E,
vale salientar, que, segundo números do Inep, a maior parte dos alunos da
terceira idade que entra na faculdade conclui seus cursos. Em 2013, foram 1.033
pessoas com mais de 65 anos concluindo o ensino superior, enquanto outras 1.451
estavam entrando.
Lourdes
não é a única de sua família que está cursando a faculdade. Sua irmã, cinco
anos mais nova, também está cursando Direito na Universidade de Caxias do Sul
(UCS). “Falta só o trabalho de conclusão”, diz.
Para
Lourdes, a vontade de estudar foi, inclusive, maior que a de constituir uma
família. “Eu não me casei. Não quis. Eu trabalhava um tempo na maternidade.
Atendia a parte dos recém-nascidos. Toda a vez que eu via uma mãe com o
recém-nascido, elas estavam lá e os maridos cadê? Sumiam. Eu era muito
namoradeira, mas pensava: ‘Eu quero isso para mim? Nem pensar’. Eu queria
estudar”, conta. “Depois fiquei muito seletiva. ‘Ele é muito simpático, muito
querido, mas tem esses defeitos que eu não aguento’. E depois eu tive um
trajeto de vida muito bom. Nunca fiquei parada, sempre participei de coisas.
Durante o ano ia para São Paulo, Rio de Janeiro, Nordeste, conheço todo o
Brasil. Então, eu pegava minhas férias e me mandava. Não senti falta de ter uma
coisa”.
Lourdes garante que muitas vezes ia melhor que os alunos mais novos | Foto: Guilherme Santos/Sul21 |
Boa
aluna
Lourdes
conta que, quando decidiu voltar a estudar, foi taxada até de “doida” por
conhecidos que não entendiam o porquê de ela querer um novo diploma já contando
com uma vida confortável. “Eu fui indo. Me diz uma assim: ‘tu é doida, o que tu
vai fazer com isso?’ Eu disse: ‘eu vou adquirir conhecimento’. Eu quero estar mais
ou menos no mesmo bonde de todo mundo, porque se não daqui a pouco a gente está
lá atrás e não sabe mais nada”, conta.
Ela
garante que não cursou só por cursar. Como fazia em média três cadeiras por
semestre – gosta de ir ao sítio da família em Bento Gonçalves a partir de
quinta-feira a cada 15 dias -, demorou quase oito anos para se formar, mas jura
que era boa aluna. “Vou te dizer uma coisa: muitas vezes eu tirava 10 numa
prova e outros ficavam (para trás). Nunca fiquei de recuperação e nunca repeti”,
garante. Tinha colher de chá? “Que nada, tem professores que baixavam a lenha
mesmo”.
Ela
reconhece que, pela idade, tinha mais dificuldades em aprender do que os
colegas mais novos. Para compensar, nunca faltava às aulas – diz ter faltado
apenas uma única vez em razão de uma pequena cirurgia no olho – e se dedicava a
estudar em casa. “Claro que eu tinha mais dificuldade de aprender as coisas do
que os outros, mas cabia a mim botar a cabeça nos livros e estudar”.
Agora
que está acabando o curso, Lourdes não sabe se voltará aos bancos escolares.
Por enquanto, seu foco é no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. “Têm uns
professores que até hoje me mandam e e-mail perguntando se eu não vou fazer
pós. Mas, eu não sei, preciso ainda fazer o Exame da Ordem”, diz, salientando
que, de fato, não tem interesse em atuar formalmente como advogada. “Vou fazer
para fazer, porque eu sei que depois quem tem a carteirinha tem que pagar a
anuidade”, brinca. “Eu não tenho mais tanto tempo, eu quero ver se ainda posso
virar um pouquinho o mundo aí”.
Fonte:
sul21
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