domingo, 31 de janeiro de 2016

Aos 78 anos, Lourdes se prepara para a formatura em Direito



Lourdes Dalla Costa está prestes a ser formar em Direito aos 78 anos |  Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Todo início de ano é o período em que muitos jovens pelo Brasil mudam de vida. É quando sai o resultado do Enem, vestibulares, Sisu e ProUni e se decide o ingresso na faculdade. Para outros, é tempo de formatura, conclusão dessa etapa e início de uma nova. Mas, não é só quem está na ‘flor da idade’ que vive essas experiências. Aos 78 anos – completa 79 em maio -, Lourdes Dalla Costa está contando os dias para a sua cerimônia de formatura em Direito, mais de quarenta anos depois de concluir o primeiro curso superior.

Lourdes concluiu a primeira faculdade, de Enfermagem na Ufrgs, em 1974. Logo após, foi aprovada em um concurso para o cargo de enfermeira do Ministério da Previdência e da Saúde – as duas pastas ainda eram vinculadas na época. Passar em concurso, porém, não a estimulou a ficar parada, pelo contrário. Durante sua carreira na área da Saúde, fez alguns cursos de pós-graduação, em áreas como enfermagem psiquiátrica, por exemplo.

Como já tinha experiência de trabalho anterior, conseguiu se aposentar cedo, em 1993, aos 56 anos. Após mais alguns anos trabalhando em clínicas particulares, resolveu descansar de vez, se dedicando apenas a atividades como natação e viagens. “Fiquei por minha conta, fazendo as coisas que eu queria”, conta.

Contudo, com o passar do tempo, a vontade de voltar a estudar acabou retornando.”Eu sempre queria fazer outra faculdade. Eu pensava que a gente perde o trem, vai ficando atrasada”, diz.

Juntamente com uma colega de Igreja, Maria Francisca Coruja, 86 anos, professora também aposentada, começou a pensar na ideia de voltar a estudar. “A gente se encontrava muito na Igreja da Conceição, porque ela mora bem pertinho e eu também. E aí eu disse: ‘eu acho que vou começar a fazer uma faculdade. E a Maria Francisca disse: “aí, eu também quero fazer um curso”.

Como era formada na Ufrgs, tentou um reingresso na universidade, mas foi informada que só havia vagas disponíveis em cursos menos procurados. Como queria Direito, procurou uma instituição particular. “Eu fui na Ritter, fui na PUCRS, fui no Unilasalle”. Como a última oferece descontos de 50% para idosos que cursam até três disciplinas por semestre, optou por ela.

Entraram as duas em 2008. Mais rápida, Francisca se formou em agosto passado. Lourdes cola grau no próximo dia 13 de fevereiro.
Lourdes mostra a foto com sua turma de formandos e brinca: ‘Esse era simpática’. ‘Esse era safado, faltava muita aula’ | Foto: Guilherme Santos/Sul21


Por que o Direito?
“A gente está sempre envolto com pessoas, principalmente dentro da Igreja tem muitos que vão pedir conselhos. Porque se separou do marido, ou os filhos foram pegos pelo marido e não está dando pensão, ou então a outra que saiu de casa e deixou os filhos com o marido e agora quer ficar com eles. Então, tem muita polêmica de relacionamento entre marido e mulher quando querem se separar ou quando tem filho no meio”, explica sobre o interesse em cursar Direito.

Por outro lado, diz que não pensa em trabalhar em escritórios. “Não, eu fiz para conhecimento meu e, de repente, poder discutir com um advogado alguma coisa que eu vejo que não tá certo”, diz, salientando que não fez o curso visando ter uma nova carreira. “Graças a Deus, eu tenho meu pé de meia e não preciso. Também quero viajar mais um pouquinho, fazer minhas coisinhas de lazer”.
Educação na terceira idade está em alta

Se há algum tempo casos como o de Lourdes eram raros, agora pode-se dizer que eles são quase uma tendência. De acordo com números do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em 2009, 3.798 brasileiros com mais de 65 anos estavam matriculados em alguma faculdade do País (2.769 de forma presencial e 1.029 à distância). No RS, eram 333 (63 presencial e 60 à distância).

No último Censo da Educação Superior, realizado em 2013, o número total de matrículas já tinha saltado para 5.336 (3.930 presenciais e 1.406 à distância) no Brasil e para 446 no RS (365 presenciais e 81 à distância). Como Lourdes, a maioria dos alunos estão matriculados em cursos superiores de instituições privadas, 4.312 no Brasil e 371 no RS.

E, vale salientar, que, segundo números do Inep, a maior parte dos alunos da terceira idade que entra na faculdade conclui seus cursos. Em 2013, foram 1.033 pessoas com mais de 65 anos concluindo o ensino superior, enquanto outras 1.451 estavam entrando.

Lourdes não é a única de sua família que está cursando a faculdade. Sua irmã, cinco anos mais nova, também está cursando Direito na Universidade de Caxias do Sul (UCS). “Falta só o trabalho de conclusão”, diz.

Para Lourdes, a vontade de estudar foi, inclusive, maior que a de constituir uma família. “Eu não me casei. Não quis. Eu trabalhava um tempo na maternidade. Atendia a parte dos recém-nascidos. Toda a vez que eu via uma mãe com o recém-nascido, elas estavam lá e os maridos cadê? Sumiam. Eu era muito namoradeira, mas pensava: ‘Eu quero isso para mim? Nem pensar’. Eu queria estudar”, conta. “Depois fiquei muito seletiva. ‘Ele é muito simpático, muito querido, mas tem esses defeitos que eu não aguento’. E depois eu tive um trajeto de vida muito bom. Nunca fiquei parada, sempre participei de coisas. Durante o ano ia para São Paulo, Rio de Janeiro, Nordeste, conheço todo o Brasil. Então, eu pegava minhas férias e me mandava. Não senti falta de ter uma coisa”.
Lourdes garante que muitas vezes ia melhor que os alunos mais novos | Foto: Guilherme Santos/Sul21


Boa aluna
Lourdes conta que, quando decidiu voltar a estudar, foi taxada até de “doida” por conhecidos que não entendiam o porquê de ela querer um novo diploma já contando com uma vida confortável. “Eu fui indo. Me diz uma assim: ‘tu é doida, o que tu vai fazer com isso?’ Eu disse: ‘eu vou adquirir conhecimento’. Eu quero estar mais ou menos no mesmo bonde de todo mundo, porque se não daqui a pouco a gente está lá atrás e não sabe mais nada”, conta.

Ela garante que não cursou só por cursar. Como fazia em média três cadeiras por semestre – gosta de ir ao sítio da família em Bento Gonçalves a partir de quinta-feira a cada 15 dias -, demorou quase oito anos para se formar, mas jura que era boa aluna. “Vou te dizer uma coisa: muitas vezes eu tirava 10 numa prova e outros ficavam (para trás). Nunca fiquei de recuperação e nunca repeti”, garante. Tinha colher de chá? “Que nada, tem professores que baixavam a lenha mesmo”.

Ela reconhece que, pela idade, tinha mais dificuldades em aprender do que os colegas mais novos. Para compensar, nunca faltava às aulas – diz ter faltado apenas uma única vez em razão de uma pequena cirurgia no olho – e se dedicava a estudar em casa. “Claro que eu tinha mais dificuldade de aprender as coisas do que os outros, mas cabia a mim botar a cabeça nos livros e estudar”.

Agora que está acabando o curso, Lourdes não sabe se voltará aos bancos escolares. Por enquanto, seu foco é no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. “Têm uns professores que até hoje me mandam e e-mail perguntando se eu não vou fazer pós. Mas, eu não sei, preciso ainda fazer o Exame da Ordem”, diz, salientando que, de fato, não tem interesse em atuar formalmente como advogada. “Vou fazer para fazer, porque eu sei que depois quem tem a carteirinha tem que pagar a anuidade”, brinca. “Eu não tenho mais tanto tempo, eu quero ver se ainda posso virar um pouquinho o mundo aí”.


Fonte: sul21

0 comentários:

Postar um comentário