sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O COMPLIANCE, O DIREITO PENAL E A CRISE - Por James Walker

Doutor James Walker

Por James Walker

Faz tempo que os leitores escutam o termo compliance, alguns sem entender seu significado, outros interessados em seu conteúdo, mas, com cada vez mais frequência, o termo vem sendo empregado.

A genealogia desse instituto vem do verbo inglês to comply, significando assentir, concordar, seguir as regras, submeter-se às normas, enfim, compliance, em bom português, significa estar em conformidade.

A sociedade brasileira vem suportando, nas últimas décadas, um modelo de (des)controle dos fenômenos crimógenos, alicerçado em um paradigma sistêmico de matriz autoritária e punitivista, em que o Direito Penal tem sido equivocadamente utilizado, jurídico-politicamente, como pseudossolução da criminalidade.

Observou-se a sofisticação da criminalidade, que ganhou novos atores, impondo-se a expansão do Direito Penal, alterando-se, consequentemente, a sua lógica epistêmica – referimo-nos à denominada “criminalidade moderna”.

Nesse contexto, viu-se uma escalada dos crimes perpetrados na esfera empresarial, com reflexos impactantes na economia e no sistema capitalista de geração e manutenção de riqueza, porquanto tais crimes tendam a desestabilizar desde a geração de empregos, transitando pela afetação arrecadatória, confluindo, no mais das vezes, para o arrebatamento corporativo, seja no segmento produtivo, mas, sobretudo, na projeção reputacional do ente coletivo.

Com efeito, o menoscabo aos princípios reitores de conformidade (Compliance), propicia a proliferação de um ambiente fértil às práticas ilícitas corporativas, contribuindo para a desestabilização das relações interinstitucionais das pessoas jurídicas com o poder público.

Nessa quadra, desponta o instituto do Compliance como instrumento de prevenção, detecção e combate às ilicitudes do mundo corporativo, buscando-se, para além da remediação dos efeitos deletérios dos atos de corrupção, ajustar os mecanismos de conformidade e governança às normatizações postas pelo ordenamento jurídico.

O Brasil, alinhado a uma tendência mundial de enfrentamento da corrupção, promulgou sua Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13), seguida do decreto regulamentador da mesma (Dec. 8.420/15), valendo-se da ancestralidade dos diplomas internacionais, sobretudo o FCPA – Foreign Corrupt Practices Act (EUA - 1977) e o U.KBribery Act (Reino Unido - 2010).

Diferentemente daqueles diplomas estrangeiros, a lei brasileira promoveu uma ruptura na tendência de (des)utilização do Direito Penal como equivocado instrumento de Política Criminal, não inserindo, no rol de medidas punitivas da Lei 12.846/13, a tipificação de condutas criminosas atribuíveis às pessoas jurídicas, limitando-se o texto legal às responsabilizações civil e administrativa, utilizando-se, como deve ser, o direito administrativo sancionador.

A denominada Operação Lava Jato trouxe à luz as consequências do menoscabo ao Compliance, revelando que uma das maiores estatais brasileiras lidava com o assunto de forma incipiente e descuidada, na contramão de suas concorrentes e de todo o mercado internacional. Prova disso, é que ao final de 2014 foi efetivamente “criada” uma diretoria de Compliance, tarde demais!

Que não se prendam os céticos aos prejuízos dos dólares subtraídos por alguns funcionários, posto que a verdadeira sangria institucional aconteceu em seus ativos de bolsa (perda reputacional), tanto quanto o que está por vir das sanções a serem impostas pela SEC – U.S. Securities and Exchange Comission (EUA).

Essa mesma operação, que introduziu em larga escala o uso da colaboração premiada, revelou a necessidade de regulamentação dos acordos de leniência, como instrumento de consecução dos objetivos anticorrupção.

Na prática, o acordo de leniência, da forma como previsto no Capítulo V da Lei 12.846/13 (arts. 16 e 17), tem se revelado defeituoso sob diversos aspectos, sobretudo, na medida em que impõe ao acordante a “autoincriminação”, fator de absoluta insegurança jurídica, previsto como requisito no § 1º, inciso III do artigo 16, que assim dispõe: “ III - apessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações...”.

Evidente que a admissão de participação em “ilícito” – conforme exigido pela Lei - subentende a confissão de culpa e, sendo a pessoa jurídica inimputável criminalmente, essa “confissão” recairá, invariavelmente, sobre os agentes, pessoas físicas, que por ela agiram, ou seus administradores, vindo dessa constatação a ausência de acordos com base nessa lei.

Enquanto a operação avança a passos largos (Lava Jato), exigindo uma postura proativa das autoridades, o que se assiste é um verdadeiro duelo de reserva de poder entre a CGU– Controladoria Geral da União (que foi extinta e em seguida reinstituída pela Lei 13.341/16)  e o Ministério Público Federal, ambos disputando a hegemonia sobre os acordos de leniência. Tramitou no Senado Federal o PL 105/2015, que já se encontra na Câmara dos Deputados, agora sob o número PL 3636/2015, na tentativa de alterar artigos da Lei 12.846/15 e ampliar os poderes e a atuação do MP naqueles acordos, enfrentando o contraponto da CGU.


O fato a se lamentar é que o Brasil brinca infantilmente de disputar poder, tornando caras ao país e à sociedade as consequências da desconformidade, sem aprender a decantada lição do ex-Sub-Procurador de Justiça americano, Paul McNulty, que imortalizou o axioma “If you think Compliance is expensive, try non-compliance”.

Notas sobre o autor:



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domingo, 18 de setembro de 2016

O Compliance Criminal no Cenário Corporativo em Tempos de Lava Jato – Por James Walker Júnior



A sociedade brasileira vem experimentando, hodiernamente, os efeitos colaterais do maxi processo denominado Lava Jato. Essa fenomenologia, dos processos midiáticos e de repercussão internacional, guarda sua ancestralidade na Operação Mãos Limpas[1](mani pulite), ocorrida na Itália na década de 1990, tendo como figura central o magistrado Giovanni Falcone.
Exsurge, como questão absolutamente inadiável, a delineação dos contornos de importância e contextualização do Compliance Criminal[2], no cenário corporativo, como instrumento de prevenção, detecção e remediação dos atos de corrupção.
As transformações sociais, a agilidade do avanço tecnológico e a fluidez da informação, dinamizaram o denominado risco global, delineando novos contornos para as relações jurídicas e suas proteções. Nasce um novo modelo de (des)contenção dos fenômenos criminais, alicerçado em um paradigma sistêmico de matriz autoritária e punitivista, em que o Direito Penal é lançado, jurídico-politicamente, ao patamar de solução da criminalidade.
A quadra histórica de desenvolvimento do Direito Penal Clássico, mais tarde as teorias críticas modernas e até a Criminologia Positivista[3], têm atravessado transformações em suas realidades plurais e cognitivas, lançando-se nova luz sobre as ofensas e tutelas aos bens jurídicos transindividuais.
Na esfera penal, observou-se a sofisticação da criminalidade, que ganhou novos atores, impondo-se a expansão do Direito Penal, alterando-se, consequentemente, a sua lógica epistêmica – referimo-nos à denominada “criminalidade moderna”, terminologia largamente descrita pelo Prof. Cezar Roberto Bitencourt[4].
Paralelamente à criminalidade “comum”, vale dizer, aquela que tende a vitimizar a sociedade diuturnamente pela ocorrência contumaz dos delitos de maior incidência (crimes contra o patrimônio, contra a pessoa e narcotráfico), apresenta-se em desmedida escalada a criminalidade empresarial, ensejando uma nova perspectiva para a abordagem repressiva estatal.
São os novos dilemas estruturais decorrentes da denominada “Expansão do Direito Penal”, descritos de forma sublime por Jesús-Maria Silva Sanches[5], que revela uma realidade plural de utilização do Direito Penal que, cada vez mais, deixa de ser empregado como ultima ratio, o que, ao nosso sentir, trata-se de um equívoco.
Encerrando interesses que residem para além do exercício da persecução penal, os crimes perpetrados na esfera empresarial têm reflexo impactante na economia e no sistema capitalista de manutenção e geração de riqueza, porquanto tendem a desestabilizar desde a geração de emprego, transitando pela afetação arrecadatória e confluindo, por vezes, para o arrebatamento corporativo, tanto em seu segmento produtivo, quanto na projeção reputacional do ente coletivo, com a consequente e indesejável perda de ativos.
Com efeito, o menoscabo aos princípios reitores de conformidade (Compliance), propicia a proliferação de um ambiente fértil às práticas ilícitas corporativas, confluindo para a desestabilização das relações interinstitucionais entre os entes coletivos e o poder público.
Nesse contexto, desponta o instituto do Compliance Criminal como instrumento de prevenção, detecção e combate às ilicitudes do mundo corporativo, buscando-se, além da remediação dos efeitos deletérios dos atos de corrupção, ajustar os mecanismos de conformidade e governança às normatizações postas pelo ordenamento jurídico.
Compliance, do verbo inglês to comply, significa observar, obedecer ou cumprir algo que lhe seja imposto, garantindo-se a “conformidade” das condutas esperadas pelos entes coletivos.
O conjunto de medidas tendentes a conduzir o processo de “conformidade”, denomina-se ComplianceCorporativo, o qual se materializa pela conjugação dos esforços de governança implementados na estrutura administrativa das corporações, tanto quanto pela adoção de procedimentos de controles internos e externos (estes últimos relativos aos atos de terceirizados).
As definições de Compliance proliferam tautologicamente no meio acadêmico, valendo destacar seu caráter interdisciplinar, que conflui para uma metodologia com amarras na prevenção de atos de corrupção.
Surge aqui a matéria prima do Compliance Criminal (corrupção), que o distingue axiomaticamente doCorporate Compliance, sem, contudo, divorciar os institutos, que, ao revés, são complementares.
Promulgada a Lei 12.846/13, que tem ancestralidade paradigmática no ordenamento internacional, sobretudo nas leis congêneres dos Estados Unidos e Reino Unido (FCPA e U.K. Bribery, respecticamente), inaugurou-se um novo momento de persecução da responsabilidade dos pessoas jurídicas no Brasil.
A sistemática legislativa que inspirou esse diploma convida o mundo corporativo ao Compliance, de outro modo, o menoscabo à “conformidade” impõe severas sanções ao ente coletivo (civis e administrativas, tão somente), porquanto temos como principal inovação dessa norma, a introdução dos programas deCompliance, objetivamente, como mecanismos preventivos de ilícitos e mitigação punitiva (de igual forma a previsão do programa de integridade está descrita no Dec. 8.420/2015, regulamentador da Lei Anticorrupção).
As diversas fases da Operação Lava Jato desvelaram o uso reiterado de pessoas jurídicas como instrumento de consecução de objetivos supostamente ilícitos. O volume de capital movimentado em operações duvidosas não poderia suportar o manejo entre pessoas físicas, servindo a pessoa jurídica de “véu” a encobrir gigantescas transações que, por estarem circunscritas às relações corporativas, apresentam, prima facie, feições de licitude.
Nesse instante, ingressamos no empirismo da instrumentalidade prática do Compliance Criminal, que se lança ao cenário corporativo como mecanismo hábil de consecução de resultados preventivos aos atos de desconformidade – que têm sua gênese, no mais das vezes, na figura típica da corrupção – impondo-se ao mundo empresarial, como ferramenta garantista da prevenção ou eventual defesa de direitos, o necessário assessoramento de profissionais do Direito Penal, com efetivo emprego da expertise imanente a essa ramo da ciência jurídica.
Não nos escapa o posicionamento sobre o qual a Lei 12.846/13, ou “Lei Anticorrupção”, diferentemente de outros sistemas jurídicos, afastou do seu contexto analítico a responsabilidade penal dos entes coletivos.
Ocorre, porém, que o manejo dos fatos precedentes à denominada “desconformidade”, implica no trato técnico e metodológico de atos de corrupção, exsurgindo, evidentemente, que essa figura típica, insculpida nos arts. 317 e 333 do Código Penal (corrupção passiva e ativa, respectivamente – sem embargo de outras formas de ilícitos de leis penais extravagantes), não pode ser corretamente prevenida e combatida, senão por profissional detentor de expertise em Direito Penal – defluindo dessa constatação a relevância do Criminal Compliance, sob a condução técnica de um advogado criminal.
Tem-se, como corolário das assertivas cognitivas então expostas, que o Compliance Criminal funciona como instrumento de prevenção e controle da transferência de responsabilidades no contexto corporativo, afigurando-se a “desconformidade” como um subproduto do comportamento ilícito anterior (ato de corrupção).
A concepção pós-moderna da intitulada “Sociedade de Risco”, proposta vestibularmente por Ulrich Beck[6], conduziu à interferência penal em novos campos, sobretudo nos ambientes econômicos e corporativos.
Nesse passo, poucos não foram os ordenamentos jurídicos que introduziram, em seus sistemas persecutórios, acepções metodológicas de cunho punitivista, pautados sempre e sempre em matrizes autoritárias[7], para determinar, como pseudossolução à escalada criminosa nas searas econômica e corporativa, a tipificação de condutas e consequente responsabilização das pessoas jurídicas.
Os efeitos dessa modulação de emprego do Direito Penal, como instrumento de Complinace[8], na fenomenologia da criminalidade corporativa, somente serão sentidos em momento posterior, parecendo-nos mais um reflexo do intervencionismo penal de um estado cada vez mais punitivista.
De nossa parte, preferimos seguir na crença do Direito Penal mínimo, como ultima ratio, apostando na instrumentalidade empírica do Compliance Criminal a ser empregado, sobretudo, como mecanismo de prevenção de atos de desconformidade, apto a reduzir a escalada da ilicitude corporativa.

Notas e Referências:
[2] WALKER JR. James, in Crimes Federais. Org. ESPIÑEIRA. Bruno, CRUZ. Rogerio Schietti e REIS JR. Sebastião. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2015. p. 259.
[3] Prado, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribu­nais, 2008.
[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Princípios garantistas e a delinquência do colarinho branco. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 11, 1995, p. 125.
[5] SILVA SANCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal. Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
[6] BECK, Ulrich. Sociedades de risco. Tradução Sebastião Nascimento. 2ᵃ edição: Editora 34. São Paulo, 2011.
[7] BRANDÃO, Nuno. O regime sancionatório das pessoas colectivas na revisão do código penal. Separata da Revista do CEJ, 1º semestre, n. 8, edição especial, Almedina, 2008.
[8] BACIGALUPO, Enrique. Compliance y derecho penal: prevencion de la responsabilidade penal de directivos y de empresas. Buenos Aires: Hammurabi, 2012.

james-walker-juniorJames Walker Júnior é Presidente do IBC Instituto Brasileiro de Compliance, Advogado criminalista, professor de Direito Penal, Processual Penal e Compliance desde 1994 em universidades do Rio de Janeiro; especialista em Direito Penal e Compliance pela Universidade de Coimbra – Portugal; Doutorando em Ciências Jurídicas pela UAL – Universidade Autônoma de Lisboa – Portugal; Presidente da Comissão de Anticorrupção e Compliance da OAB Barra RJ; Sócio do Escritório Walker Advogados Associados.

Publicado originalmente no Empório do Direito

domingo, 11 de setembro de 2016

MITOU E (Vo)MITOU - Por Dr. James Walker




Essa semana um texto da juíza paranaense Fernanda Orsomarzo viralizou nas redes sociais.

As reflexões da magistrada, para muito além de mera impressão pessoal, trazem análises críticas consideráveis, permeadas por acepções constitucionais, referências histórico-politicas, citações jurisprudenciais, dados estatísticos (BID, CNJ, entre outros), enfim, guardam impressionante densidade metodológica, modulando aspectos jurídicos, políticos e sociais numa dialética admirável.

O texto a que me refiro, além de uma aula extremamente bem contextualizada, com referencial teórico e empírico próprio de quem tem compromisso intelectual, traz consigo uma carga humanitária louvável e, lamentavelmente, pouco comum na magistratura desses tempos.

Em sua narrativa a juíza não deixou escapar a perspectiva analítica da relevância histórica e ideológica das palavras de Talib Kweli, verdadeiro "grito dos excluídos negros", que vivenciam, ainda nos tempos atuais, os rescaldos escravocratas deletérios de um Brasil negreiro.

Despiu-se do empoderamento isolador da toga e, com a excelência da simplicidade, lançou luz sobre o sentido axiológico relativo à questão das cotas e dos movimentos negros (Unegro, Uneafro, Educafro e Negrex).

A juíza MITOU !

Mas no país do pragmatismo acadêmico, onde se "estuda para passar no concurso", nada é mais insuportável, ao senso comum, do que a intelectualidade do outro.

Deve ser mesmo insuportável, aos "iguais", enxergar tanta diferença em alguém que deveria ser exatamente assim, "igual".

Começa aqui o relato sobre um texto raso, do tipo "acadêmica do beijinho no ombro", escrito pela excelentíssima juíza de Minas Gerais, Ludmila Grilo que, entre outros pecados, atolou-se na deselegância.

Da leitura do texto da meritíssima juíza Grilo, aflorou em mim um misto de sentimentos, por vezes indignação, mas, invariavelmente, pena dos seus jurisdicionados.

Apenas para desmitificar, devo aclarar à emérita magistrada de Minas que sua vitória pessoal (cheia de mérito sim), não é sinônimo de MERITOCRACIA, residindo, exatamente neste ponto, o equívoco, verdadeira confusão hermenêutica empreendida pela magistrada, que parece não ter alcançado sequer o sentido semântico do termo.

A conjunção do prefixo latino meritum (mérito) com o sufixo grego kracia (poder), formam o vocábulo meritocracia, muito mais entendido como um sistema de gestão, ou espécie de ideologia governamental de seleção por mérito.

Evidente que qualquer indivíduo que ascenda, nos mais variados setores da vida humana, por seus esforços próprios, a isso denominamos mérito pessoal, que não se confunde com o sentido amplo da meritocracia.

Metaforicamente, se alguém se conduz por princípios democráticos, pode-se proclamar um democrata, porém, jamais será a própria democracia.

Confundir mérito pessoal com o sentido amplo e ideológico da meritocracia, revela que a magistrada realmente "estudou pra passar" e pronto, atingiu a sua "meritocracia pessoal", mas sinto em dizer, faltou muita leitura e, meritocracia, é muito mais que isso.

Com efeito, posso retornar ao confronto dos textos, se é que seja possível criar correlação entre escritos tão díspares.

Enquanto a magistrada Orsomarzo expõe recorrentemente preocupação humanitária, chegando mesmo a citar um pronunciamento do Ministro Marco Aurélio (STF), por ocasião do julgamento da APDF 186, decidindo a constitucionalidade de questão de profunda relevância social (política de cotas étnico-raciais para ingresso de estudantes na UnB), in verbis: "Naquela oportunidade, o Ministro afirmou que "a meritocracia sem igualdade de pontos de partida é apenas uma forma velada de aristocracia", ao revés, a emérita juíza Grilo, faz uma ode ao seu desempenho pessoal (supervalorizando o fato de ter se deslocado recorrentemente de ônibus numa vida suburbana, fato absolutamente corriqueiro a milhões de brasileiros), confundindo sua resiliência suburbana e seu triunfo de aprovação em concurso público, com a própria meritocracia, mas, para além da autocongratulação, revelou-se profundamente preconceituosa e deselegante.

Dirige-se à sua colega de toga de forma desrespeitosa e pejorativa, fomentando um maniqueísmo de elite, próprio do discurso de ódio de alguns atores nefastos do atual cenário político, que parece estar na moda também no judiciário.

Entre outras colocações deselegantes e polarizadoras, a excelentíssima juíza Grilo afirmou:
"Enquanto a Fernanda te conta que você deve ter revolta, eu te digo: você deve ter otimismo, força de vontade e FÉ.". (...) "Enquanto a Fernanda diz que só é juíza porque também recebeu um "empurrãozinho" da vida, eu te digo que esse empurrãozinho não é necessário: você pode começar do zero. Não temos castas no Brasil. Um rico pode ficar pobre e um pobre pode ficar rico".

A essas falas da magistrada eu acrescentaria que "tudo é tudo e nada é nada" (Tim Maia), em homenagem e num esforço de incentivo filosófico à sua densidade argumentativa e profundo referencial teórico.

Preocupa-me, sobremaneira, quando uma juíza suponha que seu triunfo pessoal (leia-se, aprovação em um concurso), corresponda ao sentido amplo de meritocracia.

Esse discurso se assemelha a uma espécie de "coaching maniqueísta", com forte dose de despeito e deselegância em relação à sua colega de magistratura.

Nos quesitos deselegância e subversão da verdade, a juíza Grilo alcança o estado da arte com a seguinte citação: ".., juíza Fernanda Orsomarzo, integrante da AJD (Associação Juízes para a Democracia), associação de magistrados de viés marxista que frequentemente fala ao público como se representasse todos os juízes, quando, na verdade, é repudiada pela grande maioria dos magistrados".

A citação acima, retirada do texto da juíza Grilo, permissa venia Exa., deixou-me no maior "Grilo".

Isso porque, a magistrada Orsomarzo em momento algum mencionou, em seu texto, aquela associação de juízes, então, conhecendo V. Exa. o fato da juíza Orsomarzo ser membro daquela associação, tratou de empreender um ataque duro e gratuito, ofendendo, por via transversa, diversos outros magistrados.

Por óbvio, deflui que sua manifestação sobre meritocracia, assunto que é do seu total desconhecimento (basta ler o seu texto), não passou de um pretexto para avançar sua cólera contra a AJD e qualquer um que seja seu membro.

Mas o créme de la créme do discurso da juíza, autoproclamada neófita classe média e ex-suburbana carioca, é o conteúdo preconceituoso e discriminatório para com os seus iguais.
Nesta quadra ela é extremamente deselegante e preconceituosa com a Dra. Fernanda, que deveria ser sua "igual", ao menos em instituição, profissão, em gênero, enfim, são juízas, devem-se respeito mútuo.

Noutra quadra, em sua fase suburbana, a juíza se refere assim, em relação aos seus "iguais", todos suburbanos: 

" ... sozinha naquele ônibus vazio, cheio de perigos, transpassando a Central do Brasil, Leopoldina, São Cristóvão, Jacaré... ah como eu tremia quando entravam no ônibus aquelas pessoas sinistras do Jacaré!".

O que dizer desse comentário?

Primeiro, FORA TEMER! 

Mas em segundo, Exa., o que a senhora acha de Maricá? 

Bingo!!

Aí está a pedra de toque do problema, a juíza do sul cometeu o erro sincero da humanização contra-hegemônica.

A juíza do sudeste, agora com um salariozinho classe média, confessadamente ex-suburbana, renega as origens e, desde sempre, apresenta certa tendência de negar os seus iguais.

Primeiro negou toda a população suada e sofrida do bairro do Jacaré, seus iguais do subúrbio que, na sua ótica míope, não passam de seres SINISTROS.

Agora, renega a sua igual de toga, igual de gênero, igual de classe média, provavelmente porque a ideologia dessa juíza sulista, "igual", que é tão diferente, renegue a meritocracia aristocrática da juíza suburbana, deferindo aos SINISTROS do Jacaré uma ascensão que, inconscientemente, deve ser detestável à sua excelência.

Lendo cuidadosamente os dois textos, constatei, com alegria, que existe vida inteligente para além do objetivo máximo de "passar num concurso", tornei-me fã de uma juíza paranaense, que sequer conheço.

Por outro lado, eu aqui cheio de "Grilos", tive certeza que o desconhecimento sobre o sentido amplo do termo meritocracia não é só (des)privilégio de estudantes de graduação e, para minha profunda tristeza, deparei-me com o posicionamento discriminatório e preconceituoso de uma profissional de quem se deveria espera um mínimo de senso de justiça. 

Dra. Orsomarzo, V. Exa. MITOU, o resto leia lá em cima, no título desse texto que escrevo por meritocracia, afinal, "eu podia estar roubando, podia estar matando, mas estou aqui,, vendendo balas no ônibus", por muita meritocracia.

Sobre o autor:



quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Doutor, estou gestante e meu patrão me demitiu sem justa causa, quais são os meus direitos?


Essa foi a pergunta que ouvi de uma cliente recentemente e, por isso, decidi escrever este artigo para sanar algumas dúvidas no que se refere à estabilidade gestacional, já que existem muitos equívocos, tanto do lado dos empregados como do lado dos empregadores.
Em primeiro lugar, é preciso observar que a gestante tem direito à estabilidade a partir do momento em que a gravidez é confirmada, até 5 (cinco) meses após a realização do parto, é o que está previsto no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, em seu artigo 10, inciso II, alínea b.
Pois bem, traduzindo em miúdos: a empregada gestante não pode ser demitida a partir do momento em que a gravidez é confirmada, até cinco meses depois de ter dado à luz.
Outrossim, deve-se observar o que diz a Convenção Coletiva de Trabalho da categoria que a mãe está inserida, pois poderá haver previsão de um período de estabilidade maior do que o fixado na lei, o que é totalmente possível e bastante comum.
Se a empregada gestante for demitida do trabalho sem justa causa, ela terá direito à reintegração, ou seja, deverá contratar um advogado e ingressar com uma ação trabalhista requerendo a sua volta ao trabalho ou a indenização pelo período de estabilidade.

E se eu não quiser voltar ao trabalho, doutor?

Constantemente ouço esta pergunta de mães que foram demitidas, passaram por traumas no trabalho e não querem ser reintegradas.
Uma cliente do meu escritório foi demitida pelo seu empregador no mesmo dia em que fez comunicado de seu estado de gravidez, além de ter sido humilhada pelo dono da empresa, que disse a ela que não queria mais vê-la na no local de trabalho.
Naturalmente, ela não desejava a reintegração, dadas as circunstâncias em que ocorreu a demissão. Neste caso, pedi ao juiz a condenação da empresa no pagamento dos salários que a reclamante faria jus se estivesse trabalhando.
No meu entender, a mãe não é obrigada a voltar ao trabalho e tal recusa não ocasiona a perda do direito à estabilidade, ela pode sim ingressar com uma reclamação trabalhista pedindo indenização pelo período estabilitário invés de pedir a reintegração.
Para fundamentar meu entendimento, lanço mão de dispositivos constitucionais, da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e, claro, do bom senso.
Imagine só uma empregada que sofre Assédio Moral no trabalho constantemente e que, no momento em que noticiou para seu empregador que estava grávida, foi humilhada por este e, logo em seguida, demitida. Esta empregada ingressa com uma ação requerendo a sua reintegração ao trabalho, é impossível imaginar que haverá condições dignas de trabalho para ela e garantia de sua integridade física e de seu filho.
Ora, antes mesmo de ajuizar uma ação contra a empresa, a empregada gestante já era maltratada, imagine depois de uma reclamação trabalhista movida contra o empregador.
Também é preciso observar que o direito à estabilidade não é apenas um direito para resguardar a gestante, visa também a proteção da criança, portanto, ela – empregada gestante – não pode dispor de um direito que não pertence somente a ela.
Atentemo-nos ainda para o fato de que a demissão da empregada gestante não fere apenas o direito à estabilidade previsto no art. 10, inciso II, alínea b, do ADCT, viola também o princípio da Dignidade da Pessoa Humana assegurado no artigo , inciso III, da CF, a Ordem Constitucional do Trabalho prevista no artigo , inciso IV, da Carta Magna e a Livre Iniciativa, estampada nos artigos 170 e 193 da Carta Política.
O TST já se manifestou sobre esse assunto, proferindo julgamento no seguinte sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. Agravo de instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (...) pacífica jurisprudência desta Corte, no sentido de que não implica renúncia à estabilidade provisória da gestante a não aceitação, pela empregada, da proposta patronal de retorno ao emprego, visto que a garantia estabelecida no artigo 10, II, b, do ADCT objetiva não apenas coibir ato discriminatório do empregador, mas também proteger o nascituro, razão pela qual continua a fazer jus ao pagamento da indenização substitutiva. Recurso de revista conhecido e provido (TST - RECURSO DE REVISTA: RR 24583220115020031)

Portanto, entendo que, mesmo recusando a reintegração ao trabalho, a gestante pode receber indenização referente ao período de estabilidade.

Doutor, e se a criança já tiver nascido, ainda posso processar a empresa?

Essa não é uma dúvida incomum entre as empregadas gestantes.
Imagine que a empregada tenha sido demitida e, depois que o seu filho nasce, ela descobre que tinha direito à estabilidade em razão do estado de gravidez. Poderá processar seu ex-empregador? A resposta é positiva.
O prazo prescricional no Direito do Trabalho é de 2 (dois) anos, portanto, em caso de demissão durante o período de estabilidade, a empregada tem esse prazo para ingressar com uma ação trabalhista, não importando que a criança tenha nascido.
Imagine que uma empregada tenha ficado grávida durante o contrato de trabalho e, em julho de 2016 comunica seu empregador acerca de seu estado gravidício, estando, à época, com 1 (um) mês de gestação. No mesmo dia seu patrão a dispensa sem justa causa.
Essa empregada dá à luz ao seu filho aproximadamente em março de 2017. Ela poderá ingressar com uma ação trabalhista, em tese, até julho de 2018, mesmo que até lá seu filho já tenha mais de 1 (um) ano de idade.

Doutor, e se meu contrato de trabalho for por prazo determinado, tenho direito à estabilidade mesmo assim?

Outra pergunta que não quer calar é: a empregada que foi contratada por prazo determinado tem direito à estabilidade gestacional? Sem dúvidas, tem sim.
Até pouco tempo, prevalecia o entendimento de que a gestante não fazia jus à estabilidade em razão de seu contrato de trabalho ter prazo predeterminado para se encerrar. Entendimento finalmente superado com a modificação da súmula 244 do E. TST.
Portanto, você empregada gestante, que foi contratada por prazo determinado, ficou gestante e foi demitida ao fim do contrato, tem direito à reintegração ou indenização pelo período estabilitário.

Doutor, e se meu empregador não sabia que eu estava gestante quando me demitiu?

Já me deparei com tal questionamento também, pois, se o empregador não sabe do estado de gravidez da empregada e a demite, está tem direito à reintegração ou à indenização? Sim!
O desconhecimento do estado de gravidez pelo empregador não implica a perda do direito à estabilidade, é o que entende a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, conforme súmula 244.

Doutor, posso pedir indenização por danos morais em razão da dispensa sem justa causa?

A empregada gestante, que foi demitida sem justa causa pelo empregador que estava ciente de seu estado de gravidez, pode receber indenização por danos morais? Entendo que sim.
O direito à indenização por danos morais encontra respaldo no artigo , inciso III da Constituição Federal, que trata da dignidade da pessoa humana e no artigo 5º, inciso V e X da Lei Maior.
A gestante que é demitida sem justa causa durante o período de estabilidade, obviamente sofre enormes abalos à sua moral.
Embora a demissão faça parte do poder potestativo do empregador, este deverá respeitar os direitos dos empregados, o que implica manter o vínculo de emprego do empregado estável, sob pena de se configurar abuso de poder.
A demissão da empregada durante o período em que mais precisa do seu emprego viola o princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no art. 1º, inciso III da Magna Carta de 1988, e merece reparação.
As humilhações praticadas pelo empregador em represália à gravidez da empregada, ofendem seus direitos da personalidade, bem como os do nascituro, resguardados pela Lei, conforme redação do artigo  do Código Civil brasileiro.
Entendo que tais danos são in re ipsa, ou seja, prescindem de comprovação, de sorte que a conduta discriminatória do empregador, consistente em efetuar a dispensa da empregada em período estabilitário, atinge a esfera de sua dignidade e de seu filho, causando-lhe ofensa absolutamente relevante, sendo o dano moral inerente à ofensa praticada, não dependendo de prova.
Acerva do assunto, há precedentes na jurisprudência do C. TST, vejamos:
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DISPENSA DE EMPREGADA GRÁVIDA. DANO MORAL. II - RECURSO DE REVISTA. (...) 3. DISPENSA DE EMPREGADA GRÁVIDA. DANO MORAL. DANO IN RE IPSA. DEVER DE INDENIZAR. A verificação do dano moral não reside na simples ocorrência do ilícito, de sorte que nem todo ato desconforme ao ordenamento jurídico enseja indenização por dano moral. O importante é que o ato ilícito seja capaz de se irradiar para a esfera da dignidade da pessoa, ofendendo-a de maneira relevante. A hipótese dos autos é de dispensa de empregada grávida, o que denota o caráter discriminatório do ato patronal. O dano moral configura-se pela mudança do estado psíquico do ofendido, submetido pelo agressor a desconforto superior àqueles que lhe infligem as condições normais de sua vida. Sendo in re ipsa, inerente à própria ofensa, essa circunstância torna despicienda a prova do abalo sofrido pela vítima. Nesse contexto, configurada a dispensa discriminatória da empregada gestante, resta configurado o dano moral indenizável (...). Recurso de revista conhecido e provido(Tribunal Superior do Trabalho. 7ª Turma. Acórdão do processo Nº RR - 1561-76.2012.5.04.0010).

Conclusão:

A empregada gestante tem direito à estabilidade, sendo vedada a sua demissão desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto.
Em caso de demissão sem justa causa a empregada tem direito à reintegração ou uma indenização correspondente ao valor dos salários a que teria direito durante o período, bem como outras vantagens, como férias, 13º salário, FGTS etc.
Entendo que a empregada pode optar em voltar ao trabalho ou receber os salários referentes ao período de estabilidade, já que a reintegração não é obrigatória.
A empregada contratada por prazo determinado também tem direito à estabilidade gestacional, conforme entendimento do Tribunal Superior do Trabalho.
Também não importa o fato de a criança já ter nascido, se estiver dentro do prazo prescricional, a autora poderá ingressar com ação trabalhista requerendo a indenização pelo período estabilitário.
Outrossim, mesmo que o empregador não saiba do estado da empregada no momento da demissão, ou seja, ainda que ele a demita sem saber que ela está gestante, ela fara jus à reintegração ou indenização correspondente.
Por fim, entendo que a demissão sem justa causa da empregada gestante, constitui enorme represália à gravidez, ofende a sua dignidade e de seu filho.
O empregador que demite a empregada gestante, de forma injustificada e ciente de seu estado de gravidez comete ato ilícito e, portanto, deve ser condenado a indenizá-la pelos danos morais sofridos.
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Fonte: JusBrasil