São apenas mais duas, em uma série de bravatas (as quais estranhamente coleciono), as falas recentes do Presidente do TST, Yves Gandra Filho, que não acha nada sensato "dar a uma pessoa que recebe um salário mínimo o mesmo tratamento, no pagamento por dano moral, que dou para quem recebe salário de R$ 50 mil." Seria um disparate, na sua opinião de magistrado: "É como se o fulano tivesse ganhado na loteria." [1]
Assim como a da atual Ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, que andou pleiteando o acúmulo dos seus proventos de desembargadora aposentada com os vencimentos à frente do Ministério; tudo daria algo em torno de R$ 61 mil reais mensais. Abocanhando apenas R$ 33 mil e uns quebrados, devido à regra constitucional do abate-teto (ela terá esquecido?), Luislinda se põe a indagar, estarrecida: "E como é que eu vou comer? Como é que eu vou beber? Como é que se vai calçar?"
O trabalho que Luislinda desempenha no Palácio do Planalto, a soldo módico, "se assemelha a trabalho escravo", então. [2] A comparação soa um tanto emblemática, ao se ter notícia de que ela foi uma das primeiras juízas negras do país.
Questionado, em 2012, acerca dos desafios de ser juiz no Brasil, o então Presidente do STF, Ministro Ayres Britto, respondeu que isso não era lá coisa muito fácil, pois a "carreira está deixando de ser remuneratoriamente atraente." "O Judiciário não anda satisfeito", lamentava. [3]
Outro Presidente do TST, o mineiro Carlos Alberto Reis de Paula, dono de um contracheque que ostentava, em 2013 (quando ali recém-chegado), o polpudo valor de R$ 22 mil reais, não titubeia: "Se falarem que é muito, eu digo: pode ser para vocês que ganham salário mínimo, mas, para o que eu faço e pela minha importância, acho pouco. Não interessa qual o valor justo, eu ganho pouco, afirmo que ganho pouco." [4]
Já em meio ao julgamento da ADI n° 4.102/RJ, em 2014, o Ministro Marco Aurélio objetou uma proposta cogitada pelo Ministro Barroso de que algum quinhão do orçamento universitário fosse também oriundo de doações de ex-alunos (prática corriqueira nos EUA), a partir de fundos criados para tanto. Ele desconversou, desabusadamente: "Presidente, abro um parêntese para dizer que, se a outrora Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, dependesse de doações deste ex-aluno, estaria muito mal, ante o voto de pobreza que fiz ao abraçar a Magistratura e continuo muito satisfeito por tê-lo feito."
Ainda no ano de 2014 da Graça de Nosso Senhor, o Desembargador Presidente do TJSP, José Renato Nalini, diferentemente dos demais, houve por bem contemporizar: "Hoje, aparentemente o juiz brasileiro ganha bem", reconhece. Mas é grana pouca, "não dá para ir toda hora a Miami comprar terno, que cada dia da semana ele tem que usar um terno diferente, ele tem que usar uma camisa razoável, um sapato decente, ele tem que ter um carro." É preciso certo estímulo financeiro, segundo seu prognóstico, para que "o juiz fique um pouquinho mais animado, não tenha tanta depressão, tanta síndrome de pânico, tanto AVC etc."
Isso foi dito, aliás, em tom basbaque, na presença e companhia de um renomado filósofo, o Sr. Luiz Felipe Pondé, que pareceu consentir, calado estava. Calado ficou. [5]
Finalmente, em um dos fatídicos áudios gravados por Sérgio Machado, pode-se ouvir o então Presidente do Senado, Renam Calheiros, comentar a dificuldade que Dilma tinha de se ajeitar com a turma do Supremo às vésperas de sua deposição: "Não negociam porque todos estão putos com ela. Ela me disse e é verdade mesmo, nessa crise toda [...]: 'Renan, eu recebi aqui o Lewandowski, querendo conversar um pouco sobre uma saída para o Brasil, sobre as dificuldades, sobre a necessidade de conter o Supremo como guardião da Constituição. O Lewandowski só veio falar de aumento, isso é uma coisa inacreditável'." [6] Conversa de comadres?
Enfim, aqui trago apenas algumas amostras tiradas ao caso. Tem muito mais delas por aí. De sobejo. Talvez seja preciso um grau supremo de desfaçatez para tomar tais declarações, recorrentes que são, como mera "gafe", "ato falho" ou coisa que o valha.
De resto, fico inclinado a perguntar, assim como Ginzburg o fez em relação ao moleiro Menochio de "O Queijo e os Vermes" (1976), se dos discursos de membros do Poder Judiciário em relação à remuneração e tudo que dela decorre — dinheiro, poder aquisitivo, estilo de vida, status, estratificação social etc. — viria à tona não somente uma "mentalidade", própria do mais elevado Ministro de Tribunal Superior ao mais provinciano juiz de primeira instância nalgum remoto rincão deste Brasil de jurisconsultos.
Mas antes uma "cultura" propriamente dita, associada a determinada estrutura de classe.
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[1] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1933111-e-preciso-flexibilizar-direitos-sociais-para-haver-emprego-diz-chefe-do-tst.shtml
[2] http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/11/ministra-cita-trabalho-escravo-ao-reivindicar-vencimentos-de-r-61-mil.html
[3] http://veja.abril.com.br/politica/mensalao-sera-o-julgamento-do-seculo/
[4] http://www.espacovital.com.br/noticia-29135-juiz-ganha-pouco-afirma-novo-presidente-do-tst
[5] https://www.youtube.com/watch?v=AbrQc22CJE0
[6] http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2016/05/em-gravacao-renan-fala-em-mudar-lei-da-delacao-premiada-diz-jornal.html
Fonte: brasil247
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