Tem
sido recorrente a afirmação de que um dos grandes pontos positivos no novo CPC
(Lei nº 13.105/2015), pelo menos para os advogados, diz respeito à disciplina
dos prazos processuais, especialmente quanto à sua contagem, restrita aos dias
úteis (art. 219), e à sua suspensão entre os dias 20 de dezembro e 20 de
janeiro (art. 220).
Sustenta-se,
com razão, que tais dispositivos visam a proporcionar períodos de descanso para
o advogado, mesmo aquele que trabalha de forma solitária e que, portanto, não
tem com quem contar para que possa tirar férias ou mesmo se afastar do trabalho
nos fins de semana e feriados, devido à contagem contínua dos prazos prevista
no CPC/1973.
Não
se questiona que tais inovações são positivas. Entretanto, os profissionais do
direito devem estar atentos às armadilhas que serão criadas com o advento do
novo CPC, para que não sejam surpreendidos com uma inesperada intempestividade
ou, pior ainda, com a decretação de revelia.
Vamos
enumerá-las.
1)
O que é um prazo “processual”? O art. 219 do novo CPC estabelece que “na
contagem de prazo em dias, estabelecidos em lei ou pelo juiz, computar-se-ão
somente os úteis”. O parágrafo único prevê ainda que tal forma de contagem
“aplica-se somente aos prazos processuais”. Os demais prazos, especialmente
aqueles de natureza material (por exemplo, o prazo para reclamação de vícios
redibitórios), permanecem computados de forma contínua, mesmo nos fins de
semana e feriados.
O
problema é que nem sempre é fácil qualificar um prazo como processual. O conceito
de prazo processual é intuitivo: período de tempo estabelecido para a prática
de um ato processual. Mas o que é um ato “processual”? Chegamos a questão
bastante complexa, que diz respeito aos atos processuais, em relação à qual
ainda não se construiu uma teoria satisfatória, seja por sua unidade
teleológica, seja pela interdependência entre atos processuais, seja porque
podem ser praticados tanto por sujeitos privados quanto públicos, atraindo
regimes jurídicos distintos (sobre o ponto, v. GRECO, Leonardo. Instituições de
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2014, v. 1, p. 234-235).
Alguns
exemplos são, inequivocamente, de prazos processuais, a serem computados apenas
nos dias úteis com o novo CPC. Prazos para contestar, para recorrer, para, de
maneira geral, se manifestar sobre os documentos, provas e demais elementos
trazidos aos autos, para designação de audiência e citação do réu com
antecedência mínima (art. 334) e para a prática de atos pelo juiz ou pelos
serventuários (arts. 226 e 228) são tipicamente de direito processual.
De
outro lado, há prazos que não podem ser compreendidos como processuais, por se
relacionarem a circunstâncias logicamente anteriores à instauração do processo.
O prazo de 120 dias para a impetração de mandado de segurança (art. 23, Lei nº
12.016/2009), por exemplo, não deve ser entendido como processual (v., nesse
sentido, GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre
Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria Geral do Processo –
Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015, p. 690) e, assim, se
computa de forma contínua, inclusive nos fins de semana e feriados. Não por
acaso, mesmo no CPC/1973, diversos precedentes destacavam não se aplicar a
suspensão dos prazos processuais no recesso forense ao prazo para o mandado de
segurança.
Há
quem diga, inclusive, tratar-se de verdadeiro prazo pré-processual. Preferível,
no entanto, qualificá-lo como prazo decadencial de um direito potestativo
específico, qual seja, a escolha do procedimento mandamental pelo autor, ao
qual se submete o réu. Ultrapassado tal prazo, perde-se acesso ao mandado de
segurança, restando preservada a tutela do direito material pelas vias
ordinárias, como, aliás, prevê o art. 19 da Lei nº 12.016/2009, segundo o qual
a sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito,
não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os
respectivos efeitos patrimoniais.
Outros
exemplos já não são tão evidentes. Nesse sentido, o prazo para pagamento
voluntário previsto no art. 523 do novo CPC – quinze dias contados da intimação
para pagamento, realizada na forma do art. 513, § 2º – é de natureza processual
ou material? Certamente haverá margem para discussão, mas considerando que esse
ato (pagamento) também se destina (ainda que não exclusivamente) a produzir
efeitos no processo, inibindo a deflagração das próximas etapas do cumprimento
de sentença, com a realização de atos constritivos sobre o patrimônio do
executado, parece que o prazo deve ser qualificado como processual, computando-se
apenas nos dias úteis.
Polêmica
também será a qualificação do prazo previsto no art. 257, III do novo CPC, que
se refere ao prazo de espera ou de dilação na citação por edital, após o qual
se inicia o prazo processual propriamente dito (art. 231, IV). Embora
deflagrado no processo, por decisão do juiz, há aqui uma sutileza: o prazo não
se destina à prática de nenhum ato (ou mesmo omissão), sendo apenas o período
de tempo que se considerou prudente aguardar para que a publicidade
proporcionada na citação por edital tenha maiores chances de chegar ao
conhecimento de seu destinatário. Nessa direção, já tivemos a oportunidade de
sustentar que tal prazo deve ser computado mesmo nos fins de semana e nos
feriados, não se qualificando como processual (v., a esse respeito, GAJARDONI,
Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR.,
Zulmar Duarte de. Teoria Geral do Processo – Comentários ao CPC de 2015. São
Paulo: Método, 2015, p. 775).
Toda
essa discussão também se aplica à suspensão prevista no art. 220 do novo CPC,
que mais uma vez a limita aos prazos qualificados como processuais.
2)
Matemática surpreendente: a detida análise do art. 219 do novo CPC, que trata
da contagem dos prazos processuais, revela uma circunstância peculiar, a qual
necessita ser destacada. É que, nos termos do seu caput, a contagem limitada
aos dias úteis somente se aplica aos prazos computados em dias.
O
que isso quer dizer? Vamos imaginar, por exemplo, que um juiz resolva –
valendo-se da possibilidade de dilação de prazos processuais prevista no art.
139, VI – ampliar o período temporal para que as partes se manifestem sobre um
complexo laudo pericial. Se o juiz fixar o prazo em 60 (sessenta) dias, ele
deverá ser computado apenas nos dias úteis, pois o art. 219 se aplica aos
prazos determinados pelo magistrado. Entretanto, se esse mesmo juiz fixa o
prazo em dois meses, surpresa: a existência de fins de semana ou feriados neste
período de tempo é irrelevante, pois o dispositivo em análise somente se
aplica, repita-se, aos prazos contados em dias.
No
novo CPC, portanto, nem sempre 30 (trinta) dias corresponderão a um mês. A
forma de contagem do prazo processual, aqui, assume contornos muito
significativos.
3)
Cuidado com as regras especiais: a intimação eletrônica tem sido uma realidade
cada vez mais frequente, devido à ampla utilização do processo eletrônico pelos
tribunais. Já é de conhecimento de muitos o prazo para a intimação tácita,
quando ela ocorre mediante informação disponibilizada em portal próprio para
este fim, nos termos do art. 5º, § 3º da Lei nº 11.419/2006. Em que pese as
críticas a esse sistema (v. GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz;
ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria Geral do
Processo – Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015, p. 640-642), o
novo CPC manteve tal disciplina.
Esse
prazo de dez dias para intimação tácita deve ser computado de forma contínua ou
apenas nos dias úteis? Sua natureza, com efeito, é processual. Ao contrário do
período de dilação do edital, tal prazo é concedido para a prática de ato
processual específico, qual seja, a abertura da intimação disponibilizada no
portal do tribunal. A redação do dispositivo é inequívoca nesse sentido, ao
asseverar que “a consulta referida nos §§ 1º e 2º deste artigo deverá ser feita
em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação”. Somente
se o interessado não abre essa intimação dentro do prazo de dez dias é que
ocorre a chamada intimação tácita.
Entretanto,
há aqui outra armadilha: a regra em tela dispõe que esse prazo será de dez dias
corridos. Note-se que esse dispositivo foi preservado pelo novo CPC e o art.
219, que trata da contagem de todos os prazos processuais, não pode servir de
fundamento para a sua revogação tácita, na medida em que, como se sabe, regra
geral não é suscetível de retirar do mundo jurídico a regra especial. Por essa
razão, sustentamos que o prazo para intimação tácita, mesmo no novo CPC, deve
continuar a ser computado de forma contínua, mesmo nos fins de semana e
feriados (v. GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre
Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria Geral do Processo –
Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015, p. 690).
4)
Direito intertemporal: a sucessão de
normas processuais no tempo é assunto, por si só, intrincado e repleto de
cascas de banana. Mas há um caso específico, concernente a prazos processuais,
que deve ser destacado por trazer consequências potencialmente catastróficas, a
depender do entendimento que se formar na jurisprudência.
No
CPC/1973, há diversas hipóteses de suspensão do prazo processual, algumas delas
muito comuns, como a convenção das partes e a exceção de incompetência
relativa, sendo certo que este último caso não mais se encontra no novo CPC,
pois tal matéria passará a ser veiculada como simples preliminar de contestação
(art. 337, II).
A
suspensão de prazo processual é uma perigosa armadilha para o advogado,
sobretudo nos casos de exceção de incompetência, que pode vir a ser decidida
muito tempo depois, quando já em vigor o novo CPC. Suponha-se, por exemplo, que
citado o réu em 2014, este resolve apresentar, no quinto dia do seu prazo,
ainda sob a vigência do CPC/1973, exceção de incompetência relativa, deixando de
apresentar contestação, em virtude da suspensão de seu prazo para a resposta. A
exceção de incompetência relativa é rejeitada em 2016, já sob a vigência do
novo CPC, voltando a fluir o prazo para a contestação do dia em que foi
suspenso (no caso em tela, do quinto dia, quando tinha sido apresentada a
exceção). Mas é preciso tomar cuidado, pois, a rigor, esse é ainda aquele mesmo
prazo aberto sob o CPC/1973.
O
que isso significa na prática? Quer dizer que, tratando-se de prazo aberto na
vigência do CPC/1973, deve continuar a ser por esse disciplinado. Ou seja, a
contagem desse prazo a partir do quinto dia deve continuar a ser computada de
forma corrida, incluindo feriados e fins de semana. Não faria sentido que o
mesmo prazo fosse contado de forma corrida até o quinto dia e, dali para
frente, cessada a suspensão, fosse computado apenas nos dias úteis,
estabelecendo-se um inusitado regime híbrido.
Isso
é muito perigoso para o advogado, que provavelmente, com a entrada em vigor do
novo CPC, ficará acostumado a contar todos os seus prazos processuais apenas
nos dias úteis, esquecendo-se de que este prazo específico, embora processual,
teve origem no código anterior, devendo ser computado de forma contínua.
Mais
uma vez, tal conclusão é polêmica e, não por acaso, enunciado nesse sentido foi
objetado no último Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), em
Vitória. No entanto, o advogado deve estar alerta que esse entendimento pode
prevalecer no seu caso concreto, o que acarretaria drásticas consequências.
5)
Há exceções para a regra da suspensão de prazos? O art. 220 do novo CPC dispõe
simplesmente que os prazos processuais se suspendem entre os dias 20 de
dezembro e 20 de janeiro, sem vincular tal hipótese a férias ou, ainda, ao
recesso forense, que continua disciplinado pela Lei nº 5.010/1966 (Justiça
Federal) ou, ainda, pelas leis de organização judiciária (Justiça Estadual).
Tal
constatação é importante, para que não se venha a sustentar que as hipóteses do
art. 215 (processos que continuam a tramitar nas férias forenses) constituem
exceção à suspensão prevista no art. 220. Da mesma forma, regras especiais como
o art. 58, I da Lei nº 8.245/1991 e o art. 39 do Decreto-Lei nº 3.365/1941
(processos submetidos à Lei de Locações e ações de desapropriação tramitam
durante as férias forenses) também não prejudicam a suspensão de prazos
estabelecida no novo CPC.
Entretanto,
é prudente para o advogado não contar com tal suspensão de prazos para essas
situações excepcionais enquanto não se forma jurisprudência confirmando tal
entendimento. É que, sob o CPC/1973, há precedentes afastando a suspensão de
prazos processuais durante o recesso forense e considerando intempestiva a
manifestação da parte que não se atentou para a regra especial (v., por
exemplo, STJ, REsp 766.154, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, julg. 20.9.2007).
Ainda
que, como indicado, o art. 220 do novo CPC não vincule a suspensão de prazos
processuais ao recesso forense, não se pode desprezar o risco de que esses
precedentes construídos sob o CPC/1973 continuem a ser acriticamente
reproduzidos, em mais um exemplo de “zumbi” processual (v., sobre esse curioso
fenômeno, ROQUE, Andre Vasconcelos. O novo CPC e os dispositivos-zumbis. Jota,
3.8.2015, disponível em http://jota.info/o-novo-cpc-e-os-dispositivos-zumbis).
6) Fora da justiça comum, o que ocorrerá?
Outra dúvida importante, a exigir cautela dos profissionais do direito, diz
respeito à situação dos ramos especializados do Poder Judiciário (Justiça do
Trabalho, Justiça Eleitoral), do processo penal e, mesmo na justiça comum, dos
Juizados Especiais.
Seria
a forma de contagem dos prazos processuais do novo CPC (art. 219), assim como a
suspensão de prazos prevista no art. 220, compatível, por exemplo, com a
celeridade exigida no âmbito dos Juizados Especiais (art. 2º da Lei nº
9.099/1995) e a efetividade da Justiça do Trabalho?
Em
que pese algumas críticas a tais preceitos, a duração razoável do processo não
resta vulnerada pela contagem diferenciada dos prazos processuais, nem pela
suspensão estabelecida entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro, mas sim,
entre outras razões, pelas etapas mortas do processo, em que não há atividade
processual por fatores estruturais da administração da Justiça. Segundo
pesquisa divulgada pelo Ministério da Justiça, Análise da Gestão e
Funcionamento dos Cartórios Judiciais. Brasília: Ideal, 2007, p. 23, apurou-se
que nada menos que 80% a 95% do tempo total de tramitação dos processos se deve
ao cumprimento de rotinas internas do cartório.
Não
há razão, portanto, para que tais dispositivos do novo CPC também não sejam
aplicados aos Juizados Especiais e à Justiça do Trabalho. Mas ainda é cedo para
saber se tal entendimento prevalecerá, o que demanda especial cuidado dos
profissionais que atuarem nessas esferas do Poder Judiciário.
* * *
Como
se demonstrou, não são poucas as armadilhas em matéria de prazos que o novo CPC
reserva para os profissionais do direito.
Por
isso mesmo, independente da conclusão a que se chegue nos casos mais polêmicos,
a regra de ouro para o advogado, principalmente nessa fase de transição para o
novo CPC, em que ainda não há jurisprudência sobre o tema, é contar o seu prazo
da forma mais conservadora possível, sempre que houver dúvida a respeito.
Fonte:
jota.infohttp://jota.info/as-armadilhas-dos-prazos-no-novo-cpc
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