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Do Conjur
Eis uma das questões mais relevantes após o julgamento da apelação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na quarta-feira (24/1), no qual foi mantida a condenação e elevada a pena para 12 anos e 1 mês. Como o julgamento foi por unanimidade, está descartado o uso de embargos infringentes e também dos embargos de nulidade. E agora, como será?
Uma vez publicado o acórdão, a defesa terá o prazo de dois dias para interposição dos embargos declaratórios (prazo que acaba sendo superior, pois se trata de processo eletrônico — e-proc —, cuja contagem do prazo, se não aberto o evento, começa a fluir após 10 dias do seu lançamento), com uma dupla finalidade: primeiramente, postular a manifestação sobre pontos omissos, ambíguos, contraditórios ou obscuros do acórdão. Em processos complexos como esse, sempre há pontos da decisão a serem declarados. Mas também cumpre uma segunda função, de prequestionamento, para os futuros recursos especial e extraordinário. A defesa de Lula alegou, só na apelação, cerca de seis preliminares de nulidade, um rol que deve ser acrescido de mais algumas ilegalidades apontadas no acórdão, como a negativa de vigência do artigo 616 do CPP (diante da negativa de novo interrogatório no TRF), a própria discussão acerca da tipicidade das condutas (como a problemática acerca da (in)existência de ato de ofício para a configuração do crime de corrupção, da (im)possibilidade de configuração do crime de lavagem de dinheiro), a dosimetria da pena etc. Muitos são os pontos a ensejar os recursos especial e extraordinário. Portanto, embargos declaratórios necessários.
Em tese, esses embargos declaratórios poderiam ter efeito modificativo ou infringente, caso a omissão, ambiguidade, contradição ou obscuridade fosse tão grave que o tribunal, ao declarar, teria de mudar o conteúdo da decisão. Mas pensamos que não será esse o caso, ou pelo menos não uma alteração relevante ou significativa. Os embargos declaratórios têm efeito devolutivo regressivo, ou seja, são devolvidos para o mesmo órgão (mesmo relator e turma) julgador. No TRF-4, esses recursos costumam ser julgados em pouco tempo, em geral não superando dois meses. Mas isso é especulação e pode demorar mais ou menos. Basta recordar que o presente recurso de apelação foi julgado em 196 dias, quando o prazo médio para julgamento das apelações está entre um ano e um ano e meio...
Depois de julgados os embargos declaratórios, serão interpostos, simultaneamente, os recursos especial e extraordinário (que ficará sobrestado até o julgamento do especial). A defesa suscita fundadas preliminares que ensejam a interposição (e necessário conhecimento) do recurso especial e provavelmente do recurso extraordinário, em que pese toda jurisprudência defensiva criada. Mas, que se esbarrarem no juízo de admissibilidade do TRF-4, caberão os respectivos agravos. Existe possibilidade de reversão do julgado? Óbvio. Existem questões técnicas relevantes que podem levar à anulação do processo, à redução da pena, à mudança de regime ou mesmo à absolvição (por atipicidade, se entender o STJ que não está configurado o delito de corrupção e/ou lavagem de dinheiro, por exemplo).
É ingênuo desconsiderar que impera o decisionismo em relação a dicotomia "questões de fato e questões de direito", sendo a Súmula 7 do STJ um filtro ativado a la carte. Portanto, não se argumente que a discussão sobre o "mérito" está encerrada na segunda instância, pois basta uma rápida análise da jurisprudência do STJ para ver que a vedação de análise probatória é um argumento curinga, facilmente tergiversado quando eles querem (ou seja, o decisionismo antidemocrático exaustivamente denunciado por Lenio Streck).
Mas até aqui o debate é aberto, as discussões jurídicas são sérias e autorizam a rediscussão junto aos tribunais superiores.
O grande problema é que, uma vez esgotada a jurisdição do TRF-4, como já constou no acórdão, será determinada a execução antecipada da pena. Inclusive, essa decretação se deu de ofício! Sim, prisão decretada de ofício, sem pedido, sem necessidade cautelar (não há periculum libertatis) e sem fundamentação (mera invocação de uma "súmula" do TRF-4(!) ou menção ao HC 126.292, o que está muito longe de ser uma "fundamentação", constitucionalmente falando). A execução antecipada é um atropelo (erroneamente) "autorizado", jamais "determinado"(!), pela criticada decisão proferida no HC 126.292 do STF.
Só para imunizar alguma crítica leviana de "combate à impunidade": nunca se disse que não se pode prender antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória! Claro que se pode prender, a qualquer momento, desde a investigação. Para isso está a prisão preventiva. O problema está em rasgar a Constituição e criar uma prisão sem caráter (e legitimação) cautelar. O artigo 5º, LVII, da CF cria duas condicionantes que são nossas (não cabendo a invocação de Constituições alienígenas, portanto, pois interessa o que diz a "nossa" CF): não pode considerar culpado + antes do trânsito em julgado. Ponto. E, na pendência de recurso especial/extraordinário, não há trânsito em julgado, por elementar e comezinho. Não se diga que pode o STF "redefinir" o que é trânsito em julgado, pois esse é um "conceito jurídico", com história e doutrina, que pertence ao mundo do Direito Processual. Não é construído a golpe de decisão. O STF é o interprete da Constituição, não o dono dela e muito menos dos conceitos jurídico-processuais que ela traz. Quando esse país foi descoberto em 1500 (e o "Supremo Tribunal de Justiça" só foi instalado em 1829), o mundo do Direito Processual já sabia e tinha definido o que era trânsito em julgado...
Teria sido mais democrático e digno se tivessem levado adiante a discussão e votação da Emenda Peluso, com a qual não concordamos, mas que pelo menos pretendia uma mudança da Constituição pela via adequada.
Portanto, é preciso repisar que esse julgado constitui um dos maiores erros que o STF cometeu nos últimos anos, uma monstruosidade jurídica já denunciada a exaustão aqui e também por vários outros juristas. A situação é agravada pela sanha punitivista de muitos tribunais, que transformaram uma "autorização" em "determinação" para prender, (ab)usando do próprio julgado equivocado do STF. Não sem razão, o uso desmedido e irracional (de algo que já é absurdo) tem gerado até a anunciada mudança de posição de um dos ministros (Gilmar Mendes) e que poderá reverter o placar apertado estabelecido naquele julgamento. É uma mudança anunciada, mas não efetivada, até porque depende da ministra Cármen Lúcia pautar as ADCs 43 e 44, o que não parece provável a curto prazo. Sem falar que uma mudança de posição do STF, neste momento, ainda que anunciada há muito tempo, será fulminada pelo discurso punitivista e rotulada de oportunista, de favorecer determinado acusado, quando na verdade o problema é bem mais complexo e anterior.
Diante de um cenário em que existem fundamentos e viabilidade de recurso especial e extraordinário, mas, por outro lado, o risco iminente de uma prisão injusta e desnecessária, o que, processualmente, poderá fazer a defesa de Lula para evitar a execução antecipada? Um cenário difícil se desenha no horizonte.
Poderiam esperar a interposição do recurso especial, para então pedir a atribuição de efeito suspensivo (artigo 1.029, parágrafo 5º do CPC). Mas isso permitiria a efetivação da prisão, que será decretada logo após o julgamento dos embargos declaratórios. Outro caminho é a impetração imediata de um Habeas Corpus no STJ para assegurar o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado (ou pelo menos até a apreciação do recurso especial).
Mas — e isso é um perigoso exercício de futurologia — é provável que a liminar seja negada pelo ministro Felix Fischer (prevento), que sabidamente aceita a execução antecipada e não deu sinais de mudança de entendimento. O julgamento do mérito de um HC, em regra, demora muitos meses e, não raro, mais de um ano. Então, diante da negativa do pedido liminar, a defesa poderá impetrar um novo HC no STF, mas com risco de esbarrar na Súmula 691. Ainda que superada a súmula (quando "eles" querem, a súmula é superada — de novo o decisionismo), é alta a probabilidade de também terem a liminar negada, pois o ministro Fachin aceita a execução antecipada da pena. Última chance? Agravo regimental, para levar a decisão para o órgão colegiado, mas igualmente com o risco da demora. Sem falar que tudo isso teria de ser feito antes do julgamento dos embargos declaratórios no TRF-4, para evitar a prisão.
Portanto, ao que tudo indica, teremos mais uma execução antecipada da pena inconstitucional e desnecessária. Tomara que estejamos equivocados e o acusado Luiz Inácio Lula da Silva, como todo e qualquer cidadão brasileiro, tenha o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, somente sendo preso antes disso se houver real e efetiva necessidade da decretação da prisão preventiva. Do contrário, a liberdade é a regra até o trânsito em julgado.
Aury Lopes Jr. é doutor em Direito Processual Penal, professor titular de Direito Processual Penal da PUC-RS e professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Mestrado e Doutorado da PUC-RS.
Alexandre Morais da Rosa é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).
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