sexta-feira, 21 de junho de 2019

Uma farsa chamada Lava Jato (parte III): o cinismo do canalha e a luta contra a pós-verdade






No último dia 19, o Ministro da Justiça e Segurança Pública esteve presente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a fim de esclarecer os vazamentos de diálogos, entre ele, quando era juiz, e os procuradores do Ministério Público Federal (MPF), na Operação Lava Jato.

Entre o rubor e argumentos frágeis, ele chegou a afirmar sobre a possibilidade da sua saída, caso seja confirmada irregularidade. Deixou de responder às indagações do senador Humberto Costa, líder do Partido dos Trabalhadores (PT) no Senado, a principal delas, se a Operação Lava Jato era um projeto político, do qual o Ministro teria se beneficiado. Por vezes, com o olhar insone e arquejante, o responsável pela pasta da Justiça e Segurança Pública além de não elucidar os questionamentos propostos pelos senadores, recorreu à dissimulação e ataques ao The Intercept. Sua principal tese é a suposta existência de hackers ­que invadiram os celulares dele e dos procuradores do MPF. Nesse ínterim, ele foi apoiado por senadores aliados ao governo, os quais afirmaram que os vazamentos divulgados por Glenn Greenwald fazem parte de uma campanha de ciberterrorismo contra o Ministro.

Sob a perspectiva psicanalítica, demonstramos no segundo artigo dessa série (https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Uma-farsa-chamada-Lava-Jato-parte-II-leitura-psicanalitica-do-termo-canalha/4/44305), que Sérgio Moro se localiza no lugar psicológico do canalha. Entretanto, esta posição não surge solitária no psiquismo do sujeito. O canalha pode também ser cínico, termo proveniente do latim e que significa cão. O cinismo foi um movimento filosófico fundado por Antístenes (440 a.C. – 365 a.C.), discípulo de Sócrates. Entretanto, em Diógenes de Sínope (404 a.C. – 323 a.C.), essa corrente teve seu ícone. A filosofia cínica se fundamentava, entre outras bases, sobre o agir sem qualquer pudor como um dos caminhos para a felicidade. Conforme Diógenes, o homem teria muito a aprender com o cão, haja vista o mamífero carnívoro da família dos canídeos ser altamente adaptável, vivendo em qualquer local, se alimentando do que está disponível e reconhecendo rapidamente o que – ou a quem – amar ou desconfiar. Essa ideia que a filosofia cínica possui em torno do cão evidencia o caráter do cinismo enquanto pensamento que prega garantir a sobrevivência, independente dos métodos utilizados para tal. Sobrevivência, inclusive, como ato político.

No capitalismo da Revolução 4.0, as fake news tornaram-se instrumento imprescindível para garantir a ascensão e sobrevivência política de grupos conservadores. Disseminar mentiras pelas redes sociais proporciona domínio sobre a formação de opiniões, levando milhões de pessoas a acreditar no teor das postagens falsas. Essa tática vem pautando a realidade histórico-social brasileira, e, como expressa o psicanalista argentino Ricardo Goldenberg, em No círculo cínico ou Caro Lacan, por que negar a psicanálise aos canalhas? (2002), tirar proveito de todas as situações se tornou o Zeitgeist – palavra alemã que indica a atmosfera intelecto-cultural em um determinado tempo histórico –, graças ao modus operandi do capitalismo moderno. Mais: se tornou a maneira de estabelecer vínculos sociais, a partir da manipulação da realidade, através do cinismo. Para Goldenberg, o cínico se relaciona com o inconsciente de forma tal que este só possui valência para os outros. Logo, ser cínico é ver a si próprio como ser soberano frente aos ditames da civilização. É não reconhecer nas instituições a presença do superego que regula os marcos civilizatórios. É, em última análise, a partir da criação e uso de pós-verdades, tribalizar a civilização, impondo retorno à seus estágios mais infantis.

Desde 2005, quando da Ação Penal 470, o Mensalão, a tese de que a corrupção é monopólio de somente um único partido político, teve início. Durante anos, as mídias corporativas nacionais criaram uma realidade artificial, a partir da manipulação das informações, a fim de apontar o Partido dos Trabalhadores (PT) como inventor de toda e qualquer ilicitude. Esse cenário, aliado a crise econômica global de 2008, constitui-se como um dos fatores mais importantes para a deslegitimação das instituições sociais no Brasil. Nessa perspectiva, vivemos o tempo do embuste, do engano fabricado para que o público, emburrecido, seja conduzido a acreditar nos apelos à emoção e não em eventos concretos. Seguindo por essa trilha, a verdade deixou de ser importante. Na realidade, qualquer mentira pode ser içada ao status de verdade: para isso, basta apelar às convicções pessoais – muitas vezes construídas artificialmente, a partir do cinismo, da massificação cultural e da busca de satisfação pulsional sem qualquer limite – e o resultado será uma veracidade erigida sobre o selo da falsidade.

O Ministro da Justiça e Segurança Pública aposta nessa conjuntura para lograr êxito. Deixou isso claro quando afirmou que não houve qualquer irregularidade na condução da Lava Jato, apesar de as divulgações realizadas pelo The Intercept não deixarem espaço para dúvidas sobre seu comportamento totalmente ilegal, quando era, de direito, juiz, mas, atuava de fato – e fora de qualquer ordenamento jurídico –, como promotor e advogado de acusação. Atacou Glenn Greenwald – ganhador do prêmio Pulitzer de 2014, pelo seu brilhante trabalho como jornalista investigativo, denunciando a espionagem perpetrada pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, em que a então presidenta Dilma Rousseff foi alvo – sem qualquer argumentação tangível. Entretanto, o chefe da pasta de Justiça e Segurança Pública não negou o conteúdo das conversas. Pelo contrário, ele assumiu uma narrativa de legitimação da afronta que praticou contra o Estado Democrático de Direito, se colocando em posição superior às leis que deveriam fazer parte das suas normas de conduta. A narrativa mentirosa de invasão dos celulares dos procuradores e do próprio Ministro, quando era juiz, por parte de hackers, atenta contra a verdade e distorce os fatos – o Telegram, aplicativo em que as conversas aconteceram, já informou que não houve invasão dos celulares do Ministro quando esse era juiz na Operação Lava Jato, tampouco dos celulares de qualquer dos procuradores –, e, por isso mesmo, pode ser exitosa, se constituindo como perigo para a abertura de qualquer apuração dos fatos. Ora, como poderia uma investigação sobre as ações do Ministro ir adiante, se é ele que comanda a Polícia Federal?

A luta contra a pós-verdade instrumentalizada pela narrativa do cínico Ministro, necessita, então, passar por duas instâncias: a continuidade das divulgações das conversas e a sequência das manifestações de rua. Os diálogos continuam sendo divulgados e já revelaram fato de notável relevância: apesar de o Ministro refutar a tese de interferência no andamento dos processos quando era juiz, novas conversas vazadas pelo The Intercept, divulgadas na última quarta, 19, pelo jornalista Reinaldo Azevedo, comprovam que a crítica dele quanto a atuação de uma procuradora, acarretou na alteração da escala do MPF. A procuradora foi substituída quando da audiência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que demonstra inequivocamente a interferência do então magistrado na condução do processo.

Ante essa trama que ameaça os destinos da Nação, as hostes progressistas precisam unificar suas pautas e buscar o diálogo com as ruas. As manifestações de 15 e 30 de maio e 14 de junho precisam ter prosseguimento. Nelas, a sociedade foi convidada a refletir sobre os perigos que o país vive quanto ao fim da educação pública e ao estrangulamento da Previdência. Novos protestos precisam ocorrer, desta feita convidando a sociedade a pensar sobre o perigo que o sistema judicial corre nas mãos de um ser cínico e inescrupuloso, o qual cometeu diversas modalidades de prevaricação.

Armando Januário dos Santos. Sexólogo. Psicanalista em formação. Concluinte da graduação em Psicologia. Professor de Língua Inglesa. E-mail: armandopsicologia@yahoo.com.br

Fonte: cartamaior

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