terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Familiares de vítimas da Kiss pedem julgamento em tribunal internacional



Tâmara explica detalhes da petição observada pelo presidente da AVTSM, Sérgio da Silva
(Foto: Daniel Favero/G1)

Petição alega violação do direito à Justiça por parte do Estado brasileiro.
Agentes públicos não deveriam ter permitido o funcionamento, diz advogada.

Familiares de vítimas do incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, vão ingressar com um processo na Corte Interamericana de Direitos Humanos, alegando a violação do direito à Justiça por parte do Estado brasileiro. A denúncia encaminhada ao tribunal da Organização dos Estados Americanos (OEA) relata que não houve processo judicial contra nenhum agente do Estado envolvido na tragédia ocorrida na madrugada de 27 de janeiro de 2013, que causou 242 mortes.

De acordo com a petição da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), os agentes públicos sabiam dos problemas, mas não impediram o funcionamento da boate. Além disso, os servidores indiciados pela Polícia Civil foram inocentados ainda na fase preliminar do processo. "Vamos pedir a indenização por violação da integridade pessoal, em relação à violação ao direito à Justiça", afirma a advogada Tâmara Biolo Soares, responsável por conduzir o pedido.

A ação é semelhante à movida por Elissandro Spohr, um dos sócios da casa noturna e réu no processo criminal que tramita na Justiça referente ao caso. Além dele, outros três acusados respondem na Justiça: o também sócio da casa noturna Mauro Hoffmann e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos e o funcionário Luciano Bonilha Leão. Tâmara, no entanto, acredita que a responsabilidade pela tragédia não deve se limitar aos quatro réus.

"Se fosse um lugar clandestino, à margem do poder público, poderíamos falar de responsabilidade exclusiva desses quatro agentes privados. Mas não era assim. A boate funcionava de forma pública, tinha essa aparência de legalidade. Portanto, esses pais, essas pessoas que deixaram os filhos lá nesse dia e essas pessoas que lá estavam, estavam confiantes em que o Poder Público permitia que a boate estivesse aberta porque tinha condições de estar aberta", argumenta a advogada, que trabalhou por dois anos na corte da OEA.

Segundo a entidade, o Ministério Público de Santa Maria firmou um termo de ajustamento de conduta (TAC) com os sócios da boate, motivado pela reclamação de vizinhos devido ao som alto do estabelecimento. Na ocasião, um engenheiro indicado pelo Ministério Público determinou mudanças na boate por meio de um projeto endossado pelo MP.

O problema do som, no entanto, não teria sido resolvido, e por isso os sócios da boate decidiram instalar a espuma que foi a responsável pela produção da fumaça tóxica que matou a maioria das vítimas. No entanto, de acordo com a advogada, o Ministério Público não voltou para fiscalizar a situação.

Segundo Tâmara, as falhas do poder público não se limitam a fatos acontecidos antes do incêndio. "Houve violação do estado antes, durante e depois. Antes, pelo conhecimento da situação, a Kiss funcionou por mais 20 meses sem as licenças para operar. Os bombeiros tinham conhecimento disso, o MP tinha conhecimento disso, e nenhum deles tomou as medidas necessárias para que isso fosse regularizado e para que boate fosse fechada. No dia do incêndio, a boate não tinha alvará dos bombeiros e estava aberta. O estado falhou porque não conseguiu fazer cessar o funcionamento”, explica Tâmara.

De acordo com a advogada, ao arquivar as denúncias contra os promotores, o Ministério Público "não permitiu que a Justiça fosse realizada e que a verdade sobre a conduta desses agentes públicos fosse conhecida".

Entenda

O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. A tragédia matou 242 pessoas, sendo a maioria por asfixia, e deixou mais de 630 feridos. O fogo teve início durante uma apresentação da banda Gurizada Fandangueira e se espalhou rapidamente pela casa noturna, localizada na Rua dos Andradas, 1.925.

O local tinha capacidade para 691 pessoas, mas a suspeita é que mais de 800 estivessem no interior do estabelecimento. Os principais fatores que contribuíram para a tragédia, segundo a polícia, foram: o material empregado para isolamento acústico (espuma irregular), uso de sinalizador em ambiente fechado, saída única, indício de superlotação, falhas no extintor e exaustão de ar inadequada.

Ainda estão em andamento os processos criminais contra oito réus, sendo quatro por homicídio doloso (quando há intenção de matar) e tentativa de homicídio, e os outros quatro por falso testemunho e fraude processual. Os trabalhos estão sendo conduzidos pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada. Segundo ele, o julgamento deve ocorrer até o final do ano. Sete bombeiros também estão respondendo pelo incêndio na Justiça Militar. O número inicial era oito, mas um deles fez acordo e deixou de ser réu.

Entre as pessoas que respondem por homicídio doloso, na modalidade de "dolo eventual", estão os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr (Kiko) e Mauro Hoffmann, além de dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos e o funcionário Luciano Bonilha Leão. Os quatro chegaram a ser presos nos dias seguintes ao incêndio, mas a Justiça concedeu liberdade provisória a eles em maio de 2013.

Atualmente, o processo criminal ainda está em fase de instrução. Após ouvir mais de 100 pessoas arroladas como vítimas, a Justiça está em fase de recolher depoimentos das testemunhas. As testemunhas de acusação já foram ouvidas e agora são ouvidas as testemunhas de defesa. Os réus serão os últimos a falar. Quando essa fase for finalizada, Louzada deverá fazer a pronúncia, que é considerada uma etapa intermediária do processo.

No dia 5 de dezembro de 2014, o Ministério Público (MP) denunciou 43 pessoas por crimes como falsidade ideológica, fraude processual e falso testemunho. Essas denúncias tiveram como base o inquérito policial que investigou a falsificação de assinaturas e outros documentos para permitir a abertura da boate junto à prefeitura.

Daniel Favero
Do G1 RS


Fonte: g1

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