Tâmara explica detalhes da petição observada pelo presidente da AVTSM, Sérgio da Silva (Foto: Daniel Favero/G1) |
Petição
alega violação do direito à Justiça por parte do Estado brasileiro.
Agentes
públicos não deveriam ter permitido o funcionamento, diz advogada.
Familiares
de vítimas do incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria, na Região Central do Rio
Grande do Sul, vão ingressar com um processo na Corte Interamericana de
Direitos Humanos, alegando a violação do direito à Justiça por parte do Estado
brasileiro. A denúncia encaminhada ao tribunal da Organização dos Estados
Americanos (OEA) relata que não houve processo judicial contra nenhum agente do
Estado envolvido na tragédia ocorrida na madrugada de 27 de janeiro de 2013,
que causou 242 mortes.
De
acordo com a petição da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da
Tragédia de Santa Maria (AVTSM), os agentes públicos sabiam dos problemas, mas
não impediram o funcionamento da boate. Além disso, os servidores indiciados
pela Polícia Civil foram inocentados ainda na fase preliminar do processo.
"Vamos pedir a indenização por violação da integridade pessoal, em relação
à violação ao direito à Justiça", afirma a advogada Tâmara Biolo Soares,
responsável por conduzir o pedido.
A
ação é semelhante à movida por Elissandro Spohr, um dos sócios da casa noturna
e réu no processo criminal que tramita na Justiça referente ao caso. Além dele,
outros três acusados respondem na Justiça: o também sócio da casa noturna Mauro
Hoffmann e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo
de Jesus dos Santos e o funcionário Luciano Bonilha Leão. Tâmara, no entanto,
acredita que a responsabilidade pela tragédia não deve se limitar aos quatro
réus.
"Se
fosse um lugar clandestino, à margem do poder público, poderíamos falar de
responsabilidade exclusiva desses quatro agentes privados. Mas não era assim. A
boate funcionava de forma pública, tinha essa aparência de legalidade.
Portanto, esses pais, essas pessoas que deixaram os filhos lá nesse dia e essas
pessoas que lá estavam, estavam confiantes em que o Poder Público permitia que
a boate estivesse aberta porque tinha condições de estar aberta",
argumenta a advogada, que trabalhou por dois anos na corte da OEA.
Segundo
a entidade, o Ministério Público de Santa Maria firmou um termo de ajustamento
de conduta (TAC) com os sócios da boate, motivado pela reclamação de vizinhos
devido ao som alto do estabelecimento. Na ocasião, um engenheiro indicado pelo
Ministério Público determinou mudanças na boate por meio de um projeto
endossado pelo MP.
O
problema do som, no entanto, não teria sido resolvido, e por isso os sócios da
boate decidiram instalar a espuma que foi a responsável pela produção da fumaça
tóxica que matou a maioria das vítimas. No entanto, de acordo com a advogada, o
Ministério Público não voltou para fiscalizar a situação.
Segundo
Tâmara, as falhas do poder público não se limitam a fatos acontecidos antes do
incêndio. "Houve violação do estado antes, durante e depois. Antes, pelo
conhecimento da situação, a Kiss funcionou por mais 20 meses sem as licenças
para operar. Os bombeiros tinham conhecimento disso, o MP tinha conhecimento
disso, e nenhum deles tomou as medidas necessárias para que isso fosse
regularizado e para que boate fosse fechada. No dia do incêndio, a boate não
tinha alvará dos bombeiros e estava aberta. O estado falhou porque não
conseguiu fazer cessar o funcionamento”, explica Tâmara.
De
acordo com a advogada, ao arquivar as denúncias contra os promotores, o
Ministério Público "não permitiu que a Justiça fosse realizada e que a
verdade sobre a conduta desses agentes públicos fosse conhecida".
Entenda
O
incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, ocorreu na madrugada do dia 27 de
janeiro de 2013. A tragédia matou 242 pessoas, sendo a maioria por asfixia, e
deixou mais de 630 feridos. O fogo teve início durante uma apresentação da
banda Gurizada Fandangueira e se espalhou rapidamente pela casa noturna,
localizada na Rua dos Andradas, 1.925.
O
local tinha capacidade para 691 pessoas, mas a suspeita é que mais de 800
estivessem no interior do estabelecimento. Os principais fatores que
contribuíram para a tragédia, segundo a polícia, foram: o material empregado
para isolamento acústico (espuma irregular), uso de sinalizador em ambiente
fechado, saída única, indício de superlotação, falhas no extintor e exaustão de
ar inadequada.
Ainda
estão em andamento os processos criminais contra oito réus, sendo quatro por
homicídio doloso (quando há intenção de matar) e tentativa de homicídio, e os
outros quatro por falso testemunho e fraude processual. Os trabalhos estão
sendo conduzidos pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada. Segundo ele, o julgamento
deve ocorrer até o final do ano. Sete bombeiros também estão respondendo pelo
incêndio na Justiça Militar. O número inicial era oito, mas um deles fez acordo
e deixou de ser réu.
Entre
as pessoas que respondem por homicídio doloso, na modalidade de "dolo
eventual", estão os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr (Kiko) e Mauro
Hoffmann, além de dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista
Marcelo de Jesus dos Santos e o funcionário Luciano Bonilha Leão. Os quatro
chegaram a ser presos nos dias seguintes ao incêndio, mas a Justiça concedeu
liberdade provisória a eles em maio de 2013.
Atualmente,
o processo criminal ainda está em fase de instrução. Após ouvir mais de 100
pessoas arroladas como vítimas, a Justiça está em fase de recolher depoimentos
das testemunhas. As testemunhas de acusação já foram ouvidas e agora são
ouvidas as testemunhas de defesa. Os réus serão os últimos a falar. Quando essa
fase for finalizada, Louzada deverá fazer a pronúncia, que é considerada uma
etapa intermediária do processo.
No
dia 5 de dezembro de 2014, o Ministério Público (MP) denunciou 43 pessoas por
crimes como falsidade ideológica, fraude processual e falso testemunho. Essas
denúncias tiveram como base o inquérito policial que investigou a falsificação
de assinaturas e outros documentos para permitir a abertura da boate junto à
prefeitura.
Daniel
Favero
Do
G1 RS
Fonte:
g1
0 comentários:
Postar um comentário