Teófila Siqueira e Francisco Marcelino (Imagem: Mab Nacional) |
Para
repor máquina de lavar perdida em tragédia, Vale/Samarco exige que idosa com
osteoporose prove incapacidade de torcer roupa
Na
madrugada do dia 6 de novembro de 2015, Teófila Siqueira e Francisco Marcelino
recebiam ansiosos as notícias que vinham dos moradores do distrito de Gesteira,
o mais atingido na zona rural da cidade de Barra Longa (MG). “Estava uma
confusão na rua: carros buzinando, pessoas correndo, gritos. Muita gente na
praça. Chiquinho já estava dormindo e eu rezando. Era mais de meia-noite quando
a vizinha veio nos chamar pra dizer que a enchente tava chegando.”, conta
Teófila, mais conhecida como Dona Cenita.
Chiquinho
lembra que, por volta das 4 horas da madrugada, estava na beira do Rio do Carmo
e achava que ele não ia subir muito. “Mas certa hora, eu peguei um pedaço de
pau para afastar as folhas que vinham descendo e vi que não era água. Aí eu
gritei: Cenita, isto não é água, é lama!”, conta agitado o senhor de 71 anos.
Ao
perceber que o rio vinha subindo, correram, pegaram os patos, as galinhas e um
cachorro que estava no quintal e levaram todos, com muita dificuldade, para
embaixo da casa. “Achávamos que ali não ia chegar. Moramos aqui há quase 30
anos e a maior enchente que pegamos aqui, que foi em 1996, só chegou perto da
primeira coluna da casa. Mas aí não teve jeito. A lama veio subindo, subindo,
tomando tudo. Nós corremos e tudo foi embora”, conta Cenita, emocionada.
Uma
lama que afoga lembranças e traz violação de direitos
Chiquinho
mostra da cozinha da casa o que sobrou do quintal: lama, buracos, uma montanha
de barro que sufoca o pé de manga, as ruínas do galinheiro que foi encoberto
pela lama, um tanquinho estragado, muita sujeira, mau cheiro. E ele recorda:
“Ei
vi minhas ferramentas tudo debaixo do barro. Perdi um plaina. Quando eu quero
fazer um caixote eu tenho minha plaina pra limpar a tábua. Foi uma maquita pra
serrar minhas tábuas. Tava tudo embaladinha, apodreceu tudo na água. A mesa
tombou justamente no lado que ela tava, assim. E eu vendo daqui descendo. Fazer
o que, né?! Desceu até caminhão no barro, a maquita não vai? Vai!!”, recordou
Chiquinho.
Mas,
além dos prejuízos no quintal que era fonte de renda e trabalho do casal,
foi-se embora muitos utensílios básicos da família. Entre eles, tanquinho e
máquina de lavar. Desde a tragédia, Dona Cenita e Chiquinho, que moram
sozinhos, ou conseguem ajuda de vizinhos para lavar a roupa ou eles se revezam
para torcer o que não dá para esperar. Exercendo o seu direito, eles pediram a
Samarco Mineração, dona da barragem que rompeu, que reponham, pelo menos, a
máquina de lavar, que é de grande utilidade, até para garantir a higiene.
Para
a surpresa da senhora de 69 anos, ao fazer o pedido, uma assistente social
exigiu que ela provasse que tinha realmente necessidade. “Ela me pediu que eu
apresentasse um laudo médico que provasse que eu não tenho força para torcer a
roupa. Eu tenho osteoporose, tomo vários remédios”, conta surpresa a idosa.
Quando foi levar o marido em um neurologista na cidade de Ponte Nova,
aproveitou e pediu o médico para fazer o laudo. Mas ele, igualmente surpreso,
disse que não poderia fazer porque não era a sua área. Dona Cenita, então, foi
em um posto de saúde de Barra Longa e pediu um laudo para uma médica clínica
geral que acabou dando um relatório simples que foi entregue à assistente
social.
Para
Thiago Alves, membro da coordenação estadual do MAB que está morando em Barra
Longa para acompanhar as famílias atingidas, este é mais uma situação que
mostra o descaso da empresa com a população. “Este é um episódio absurdo,
inaceitável, viola direitos básicos daqueles que são os mais vulneráveis. Temos
visto muito isto nesta cidade. Por isto, temos feito um trabalho de
acompanhamento por família, buscando visitar, ouvir as pessoas, ser uma
presença solidária, mas, ao mesmo tempo, insistindo com todos que é preciso se
organizar para garantir os direitos: se a Samarco age assim em questões
básicas, imagine quando formos discutir indenização e reassentamento”,
questiona Thiago.
Cenita
e Chiquinho moram no bairro Morro Vermelho, que tem 20 casas desocupadas e 3
condenadas. Eles mudam ainda esta semana para uma casa alugada enquanto a deles
é reformada. O casal espera que a máquina seja entregue ainda esta semana. O
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) cobrará explicações da empresa
sobre o ocorrido, exigirá que as máquinas e outros utensílios básicos sejam
entregues sem pré-condições e continuará as denúncias dos desmandos da Samarco
em Barra Longa e região.
Fonte:
pragmatismopolitico
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