No dia 4 de janeiro de 2016, foi publicada no
Diário Oficial da União resolução conjunta do Conselho Superior de Polícia, do
órgão da Polícia Federal, e do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil,
que aboliu o uso dos termos “autos de resistência” e “resistência seguida de
morte” nos boletins de ocorrência e inquéritos policiais em todo território
nacional.
A medida é uma conquista importante para por
fim a uma prática institucionalizada das PMs estaduais de camuflar execuções
sumárias e isentar os agentes de segurança pública da responsabilidade por
homicídios cometidos intencionalmente no exercício de suas atribuições. Os
termos anteriormente utilizados impediam o registro da ocorrência como
homicídio e sua investigação na justiça comum, sendo apenas investigada pela
justiça militar. São raros os registros de punição aos policiais, apesar de a
letalidade policial no Brasil ser alarmante.
Essa realidade apareceu escancarada nos meios
de comunicação recentemente, quando um vídeo flagrou dois policiais cariocas
matando um adolescente e depois colocando uma arma fria na sua mão. Ali, ficava
a clara a necessidade de adoção da uniformização de procedimentos operacionais
de todas as polícias do país nos casos de lesão corporal ou morte decorrentes
de resistência a ações policiais.
A partir de agora, com a nova norma, todo uso
da força por um agente do Estado que resultar em lesão corporal ou morte deverá
ser objeto de processo a ser enviado ao Ministério Público, independente de
outros procedimentos internos da polícia. Nestes casos, as terminologias
utilizadas deverão ser “lesão corporal decorrente de oposição à intervenção
policial” ou “homicídio decorrente de oposição à ação policial”.
A medida responde a intensa luta de
movimentos sociais, da defesa dos direitos humanos, de combate ao racismo e de
promoção dos direitos da juventude para a construção de um novo modelo de
segurança pública que ponha fim às práticas de extermínio, especialmente de
juventude negra. Essa mesma luta colaborou para a criação do Plano Juventude
Viva, coordenado pela Secretaria Nacional de Juventude e a Secretaria Especial de
Promoção da Igualdade Racial.
O Plano Juventude Viva também colaborou para
a produção de dados e informações que ajudaram a revelar os graves problemas
relacionados à violência e a segurança pública. Em parceria com o pesquisador
Julio Jacobo e apoio da UNESCO, foi publicado o Mapa da Violência, que mostrou
que em 2012, 56.000 pessoas foram assassinadas no Brasil. Destas, 30.000 são
jovens entre 15 a 29 anos e, desse total, 77% são negros. A maioria dos
homicídios foi praticada por armas de fogo, e menos de 8% dos casos chegam a
ser julgados.
O Juventude Viva mobilizou um conjunto de
atores para uma campanha pela aprovação do PL 4471/2012, que prevê o fim dos
autos de resistência. Contudo, o ano de 2015 demonstrou que dificilmente essa
seria uma medida aprovada pelo Poder Legislativo, que optou por desengavetar a
PEC 171 que reduz a maioridade penal e também colocar fim no Estatuto do
Desarmamento.
A medida é um passo importante na mudança na
cultura da atuação policial no Brasil, muito embora precise ser acompanhada por
ações de valorização do trabalho dos agentes de segurança pública, pela sua
formação permanente, especialmente no respeito aos direitos humanos, de
afirmação de uma polícia que priorize a inteligência e a investigação
qualificada, e evite a presença ostensiva e o uso da força como único
mecanismo.
Mudar o paradigma das forças de segurança,
com polícias que priorizem a preservação da vida e não apenas a propriedade
privada, certamente ajudará o Brasil a enfrentar talvez o seu maior desafio,
que é acabar com a violência e construir uma cultura de paz.
Em dezembro de 2015 foi realizada a 3ª
Conferência Nacional de Juventude em Brasília, com forte participação das
juventudes de todo o país e que teve como proposta mais votada uma posição
firme contra a redução da maioridade penal. Com essa energia e disposição das
juventudes é fundamental que 2016 seja o ano de transformar o Juventude Viva em
política de Estado com um grande Pacto pela Redução dos Homicídios, que
necessariamente terá que repensar a atual política de drogas e os sérios
limites do modelo militarizado das polícias estaduais.
Fonte: brasil247
0 comentários:
Postar um comentário