terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Uma conquista civilizatória: o fim dos autos de resistência no Brasil




No dia 4 de janeiro de 2016, foi publicada no Diário Oficial da União resolução conjunta do Conselho Superior de Polícia, do órgão da Polícia Federal, e do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil, que aboliu o uso dos termos “autos de resistência” e “resistência seguida de morte” nos boletins de ocorrência e inquéritos policiais em todo território nacional.

A medida é uma conquista importante para por fim a uma prática institucionalizada das PMs estaduais de camuflar execuções sumárias e isentar os agentes de segurança pública da responsabilidade por homicídios cometidos intencionalmente no exercício de suas atribuições. Os termos anteriormente utilizados impediam o registro da ocorrência como homicídio e sua investigação na justiça comum, sendo apenas investigada pela justiça militar. São raros os registros de punição aos policiais, apesar de a letalidade policial no Brasil ser alarmante.

Essa realidade apareceu escancarada nos meios de comunicação recentemente, quando um vídeo flagrou dois policiais cariocas matando um adolescente e depois colocando uma arma fria na sua mão. Ali, ficava a clara a necessidade de adoção da uniformização de procedimentos operacionais de todas as polícias do país nos casos de lesão corporal ou morte decorrentes de resistência a ações policiais.

A partir de agora, com a nova norma, todo uso da força por um agente do Estado que resultar em lesão corporal ou morte deverá ser objeto de processo a ser enviado ao Ministério Público, independente de outros procedimentos internos da polícia. Nestes casos, as terminologias utilizadas deverão ser “lesão corporal decorrente de oposição à intervenção policial” ou “homicídio decorrente de oposição à ação policial”.

A medida responde a intensa luta de movimentos sociais, da defesa dos direitos humanos, de combate ao racismo e de promoção dos direitos da juventude para a construção de um novo modelo de segurança pública que ponha fim às práticas de extermínio, especialmente de juventude negra. Essa mesma luta colaborou para a criação do Plano Juventude Viva, coordenado pela Secretaria Nacional de Juventude e a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial.

O Plano Juventude Viva também colaborou para a produção de dados e informações que ajudaram a revelar os graves problemas relacionados à violência e a segurança pública. Em parceria com o pesquisador Julio Jacobo e apoio da UNESCO, foi publicado o Mapa da Violência, que mostrou que em 2012, 56.000 pessoas foram assassinadas no Brasil. Destas, 30.000 são jovens entre 15 a 29 anos e, desse total, 77% são negros. A maioria dos homicídios foi praticada por armas de fogo, e menos de 8% dos casos chegam a ser julgados.

O Juventude Viva mobilizou um conjunto de atores para uma campanha pela aprovação do PL 4471/2012, que prevê o fim dos autos de resistência. Contudo, o ano de 2015 demonstrou que dificilmente essa seria uma medida aprovada pelo Poder Legislativo, que optou por desengavetar a PEC 171 que reduz a maioridade penal e também colocar fim no Estatuto do Desarmamento.

A medida é um passo importante na mudança na cultura da atuação policial no Brasil, muito embora precise ser acompanhada por ações de valorização do trabalho dos agentes de segurança pública, pela sua formação permanente, especialmente no respeito aos direitos humanos, de afirmação de uma polícia que priorize a inteligência e a investigação qualificada, e evite a presença ostensiva e o uso da força como único mecanismo.

Mudar o paradigma das forças de segurança, com polícias que priorizem a preservação da vida e não apenas a propriedade privada, certamente ajudará o Brasil a enfrentar talvez o seu maior desafio, que é acabar com a violência e construir uma cultura de paz.

Em dezembro de 2015 foi realizada a 3ª Conferência Nacional de Juventude em Brasília, com forte participação das juventudes de todo o país e que teve como proposta mais votada uma posição firme contra a redução da maioridade penal. Com essa energia e disposição das juventudes é fundamental que 2016 seja o ano de transformar o Juventude Viva em política de Estado com um grande Pacto pela Redução dos Homicídios, que necessariamente terá que repensar a atual política de drogas e os sérios limites do modelo militarizado das polícias estaduais.


Fonte: brasil247

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