terça-feira, 5 de janeiro de 2016

O Usufruto, o ITCMD e a DOI




1) Conceito de usufruto
   O Código Civil revogado, de 1916, em seu artigo 713, apresenta-nos o conceito de usufruto como sendo o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa enquanto temporariamente destacado da propriedade.

   Na opinião do autor da Coleção Direito Civil, Dr. Sílvio de Salvo Venosa, usufruto é um direito real transitório que concede a seu titular o poder de usar e gozar durante certo tempo, sob certa condição ou vitaliciamente de bens pertencentes a outra pessoa, a qual conserva sua substância.

   A Professora Maria Helena Diniz, por sua vez, em sua obra Curso de Direito Civil Brasileiro, entende que o usufruto não é restrição ao direito de propriedade, mas sim à posse direta que é deferida a outrem que desfruta do bem alheio na totalidade de suas relações, retirando-lhe os frutos e utilidades que ele produz. Perde o proprietário do bem o jus utendi e o fruendi que são poderes inerentes ao domínio, porém não perde a substância, o conteúdo de seu direito de propriedade que lhe fica na nua propriedade.

   Os dois ilustres autores observam que o conceito do instituto jurídico sob comento foi solidificado no passado, com base na estrutura do artigo 713 do CC de 1916, que apesar de revogado expressamente pela Lei nº 10.406/02, serve como fundamento da conceituação do usufruto também na vigência da nova legislação civil.

   No dizer do notável registrador imobiliário Dr. Ademar Fioranelli, “Elemento destacado da propriedade – na essência o maior de todos os direitos reais -, que congrega em si todos os poderes originários do domínio – uso, gozo e disponibilidade -, o usufutro, inserto como direito real ao elenco do artigo 1.225, IV, do novo Código Civil, está disciplinado nos artigos 1.390 a 1.411 do mesmo Código.”.

   Importante ao nosso estudo é que todos concordam que o usufruto é um direito. E como tal, pode ser alienado a título oneroso, desde que ao nu-proprietário, na consolidação da propriedade plena, ou a título gratuito, por ato de instituição, pelo nu-proprietário a qualquer pessoa.
   2) Constituição voluntária
   Na opinião da Professora Maria Helena Diniz, antes já citada, o usufruto convencional (4) pode ser constituído, voluntariamente: (a) por alienação, mediante atos jurídicos inter vivos ou causa mortis, através dos quais o proprietário concede o usufruto a um indivíduo conservando-lhe a nua propriedade; (b) por reserva, ou retenção, mediante contrato, através do qual o proprietário cede a nua propriedade, reservando para si o uso e o gozo da coisa.
   A legislação prevê outras formas de constituição do usufruto (por lei, por sub-rogação real, por usucapião, por sentença), que não serão aqui enfocadas tendo em vista o escopo do presente trabalho.

   3) Extinção
   Estará extinto o usufruto, entre outras hipóteses elencadas no artigo 1.410 do novo Código, pela morte do usufrutuário ou em decorrência de sua renúncia.
   É de se ressaltar que, o usufrutuário pode alienar o usufruto ao nu-proprietário, e somente a ele, dando ensejo à consolidação da propriedade, outra hipótese de extinção do direito de uso e gozo.
   Seja qual for a causa de sua extinção, há de ser cancelado o correspondente registro no Cartório de Registro de Imóveis (caput do artigo 1.410, do CCB de 2002).

   4) Reflexos na apuração e recolhimento do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens e Direitos (ITCMD) de que trata a Lei Paulista nº 10.705/2000
   O Regulamento do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens e Direitos – RITCMD, aprovado pelo Decreto nº 46.655, de 1º de abril de 2002, estabelece prazos para pagamento do imposto, consideradas as hipóteses legais de incidência.

   Nos casos de doação com reserva de usufruto o imposto será recolhido (a) antes da lavratura da escritura, sobre o valor da nua-propriedade; e (b) por ocasião da consolidação da propriedade plena, na pessoa do nu-proprietário, sobre o valor do usufruto. Admite a regra do art. 31, § 3º, do RITCMD, o recolhimento do imposto, antes da lavratura da escritura, sobre o valor integral da propriedade, se assim preferir o contribuinte.

   Na hipótese de o recolhimento ocorrer apenas sobre o valor da nua-propriedade, por ocasião da consolidação da propriedade plena surgirá novo fato gerador do imposto.
   Portanto, a partir da extinção do usufruto pode-se, então, ter prestação de contas a ser feita com o Fisco estadual e, dependendo da hipótese que lhe der causa, entre as elencadas no art. 1410 do CCB de 2002, deparamo-nos com algum tipo de dificuldade.

   A renúncia do direito pelo usufrutuário, por ato não oneroso, caracteriza doação ao nu-proprietário e como tal sujeita-se à incidência do ITCMD, e se dela resultar imposto a pagar o recolhimento deverá ser feito antes da celebração do ato da renúncia (Escritura Pública de Renúncia de Usufruto).

   Mas, e se o usufruto encontrar sua causa de extinção na morte do usufrutuário ? É claro que não se trata de doação. É, na verdade, uma transmissão “causa mortis”, portanto, no que respeita ao prazo de pagamento do imposto, deveria estar abrigada pela norma do art. 31 do RITCMD, porém não está.

   É uma transmissão “causa mortis” que não se sujeita a processo de inventário ou arrolamento e que, para os fins da legislação registrária, registrado o cancelamento do usufruto, ato praticado mediante a apresentação do comprovante do óbito do usufrutuário, adquire o nu-proprietário, investido na condição de proprietário, também, o direito de uso e gozo.

   Como a extinção do usufruto, por ato “causa mortis”, só está isenta do ITCMD se o direito tiver sido instituído pelo nu-proprietário (alínea “f”, do inciso I, do art. 6º, da Lei nº 10.705/2000, com as alterações da Lei nº 10.992/2001), não há dúvidas que se trata de transmissão sujeita ao imposto de competência do Estado, todavia em que prazo o valor apurado deve ser recolhido se a legislação, nesse particular silencia ? E mais, pode o Oficial do Registro de Imóveis averbar a extinção do usufruto sem exigir a prova de recolhimento do imposto, diante do que dispõe o inciso I, do art. 8º, da Lei 10.705/2000, quando trata da responsabilidade solidária ?

   Aguarda-se a manifestação oficial da Secretaria da Fazenda, se provocada, ou a construção de jurisprudência que pacifique estas tormentosas questões.

   5) Preenchimento da Declaração sobre Operações Imobiliárias – DOI
   A constituição e extinção do usufruto apresenta reflexos também no preenchimento da Declaração sobre Operações Imobiliárias – DOI, obrigação instituída pelo Decreto-Lei nº 1.510, de 1976, e hoje disciplinada, em caráter normativo, pela IN-SRF nº 324, de 28 de abril de 2003.

   Quando o usufruto é constituído pela reserva, ou retenção, mediante contrato, através do qual o proprietário cede a nua propriedade, reservando para si o uso e o gozo da coisa, o reflexo na DOI relativa à transmissão apenas da nua propriedade surgirá quando do preenchimento do campo “Percentual de Participação do(s) Adquirente(s)”. O nu-proprietário tem 100% (cem por cento) da propriedade do imóvel ou o percentual de participação é menor em razão da retenção feita do usufruto ? E se for menor, quanto menor é esse percentual?

   É importante que não nos afastemos dos objetivos que a Secretaria da Receita Federal tem com a DOI, sendo que, entre eles está o interesse de conhecer quem transmitiu o quê, para quem, em que data e por quanto.

   No caso da Doação com Reserva de Usufruto nem todos os direitos inerentes à propriedade acompanham a coisa cedida a título gratuito. Como vimos, ocorre a retenção dos direitos de uso e gozo. Então, não há dúvidas que se deve informar, nesses casos, que “A” cedeu para “B” o imóvel “X” reservando para si o usufruto sobre esse imóvel. O problema é: qual o valor dessa operação? Para os fins fiscais, qualquer que seja o ente tributante, o valor não será o atribuído à propriedade plena pois esta depende da extinção do usufruto para consolidar-se na pessoa do nu-proprietário. E essa extinção é evento incerto, embora o usufruto seja tido como direito temporariamente destacado da propriedade. Tanto assim é que a legislação paulista do ITCMD estabele como prazo para pagamento do imposto sobre o valor do usufruto a data em que ocorrer a consolidação da propriedade plena, ainda que faculte ao contribuinte fazê-lo na data da transmissão da nua-propriedade.

   Avançamos na análise. Já dá para que se depreenda do racicíonio acima esposado que o valor é o correspondente ao da nua-propriedade. Mas que valor é esse ?

   Levando-se em conta a ficção jurídica que divide a propriedade em duas partes para fins de incidência do imposto de transmissão, uma representada pela nua-propriedade e outra pelo usufruto, no Estado de São Paulo a primeira corresponde a 2/3 (dois terços) da propriedade plena, enquanto que a segunda ao que resta do todo, ou seja, 1/3 (um terço). Em outros estados a divisão pode ser diferente. Aliás, sabe-se que em alguns são atribuídos percentuais iguais (50%), tanto para a nua-propriedade como para o usufruto.
   Por que não usá-los para informar os percentuais exigidos pela DOI ?

   Na verdade, a Receita não se manifestou sobre o assunto, porém, por outro lado, não consta que algum interessado, “cartório” ou entidade representativa da classe dos notários e registradores, tenha provocado posicionamento oficial do Fisco, de tal sorte que, considerando tudo quanto foi dito aqui é válida a alternativa que considera 66,66% (sessenta e seis por cento e sessenta e seis décimos), divididos entre os adquirentes da nua-propriedade como percentual de suas respectivas participações.

   Contudo, a questão mais difícil de ser enfrentada não é essa. Reside na necessidade, ou não, de se emitir a DOI na instituição e na extinsão do usufruto.

   Por tudo quanto acima foi apresentado ao leitor do JN (nota do CNB: JN é Jornal do Notário, publicação do Colégio Notarial do Brasil -Seção São Paulo), tanto na instituição como na extinção do usufruto há a transmissão de um direito relativo a imóvel, o que, com base na legislação específica que rege a matéria, é fato ensejador da comunicação ao órgão fazendário federal, senão vejamos:

Decreto-Lei nº 1.510/1976 – art. 15 - “Os serventuários da Justiça responsáveis por Cartório de Notas ou de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, ficam obrigados a fazer comunicação à Secretaria da Receita Federal dos documentos lavrados, anotados, averbados ou registrados em seus Cartórios e que caracterizam aquisição ou alienação de imóveis por pessoas físicas, conforme definidos no art. 2º § 1º do Decreto-lei nº 1.381, de 23 de dezembro de 1974”. (Grifei)

Decreto-lei nº 1.381/1974 – art. 2º, § 1º - “Caracterizam-se a aquisição e a alienação pelos atos de compra e venda, de permuta, de transferência do domínio útil de imóveis foreiros, de cessão de direitos, de promessas dessas operações, de adjudicação ou arrematação em hasta pública, pela procuração em causa própria, ou por outros contratos afins em que haja transmissão de imóveis ou de direitos sobre imóveis.” (Grifei)

   A clareza da redação atribuída aos dispositivos acima transcritos não deixava qualquer dúvida, mas o que tinha tudo para ser simples tornou-se complexo a partir da inclusão de entendimento da Receita Federal no Perguntas e Respostas, editado pelo próprio órgão, que contraria, de maneira frontal, o que acima se vê e que muitas vezes foi repetido ao contribuinte nos atos adminitrativos assinados pelas autoridades competentes.

   Reproduzo, abaixo, a íntegra da Pergunta nº 134, do trabalho acima referido, para que se possa fazer atenta leitura de seus termos:
Pergunta 134 – Usufruto
É obrigatória a apresentação da DOI quando da lavratura de escritura de usufruto sem alteração dos proprietários do imóvel ?
R: Não. Escritura de usufruto não caracteriza a transferência do imóvel.


Fonte: notariado

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