1)
Conceito de usufruto
O Código Civil revogado, de 1916, em seu
artigo 713, apresenta-nos o conceito de usufruto como sendo o direito real de
fruir as utilidades e frutos de uma coisa enquanto temporariamente destacado da
propriedade.
Na opinião do autor da Coleção Direito
Civil, Dr. Sílvio de Salvo Venosa, usufruto é um direito real transitório que
concede a seu titular o poder de usar e gozar durante certo tempo, sob certa
condição ou vitaliciamente de bens pertencentes a outra pessoa, a qual conserva
sua substância.
A Professora Maria Helena Diniz, por sua
vez, em sua obra Curso de Direito Civil Brasileiro, entende que o usufruto não
é restrição ao direito de propriedade, mas sim à posse direta que é deferida a
outrem que desfruta do bem alheio na totalidade de suas relações, retirando-lhe
os frutos e utilidades que ele produz. Perde o proprietário do bem o jus utendi
e o fruendi que são poderes inerentes ao domínio, porém não perde a substância,
o conteúdo de seu direito de propriedade que lhe fica na nua propriedade.
Os dois ilustres autores observam que o
conceito do instituto jurídico sob comento foi solidificado no passado, com
base na estrutura do artigo 713 do CC de 1916, que apesar de revogado
expressamente pela Lei nº 10.406/02, serve como fundamento da conceituação do
usufruto também na vigência da nova legislação civil.
No dizer do notável registrador imobiliário
Dr. Ademar Fioranelli, “Elemento destacado da propriedade – na essência o maior
de todos os direitos reais -, que congrega em si todos os poderes originários
do domínio – uso, gozo e disponibilidade -, o usufutro, inserto como direito
real ao elenco do artigo 1.225, IV, do novo Código Civil, está disciplinado nos
artigos 1.390 a 1.411 do mesmo Código.”.
Importante ao nosso estudo é que todos
concordam que o usufruto é um direito. E como tal, pode ser alienado a título
oneroso, desde que ao nu-proprietário, na consolidação da propriedade plena, ou
a título gratuito, por ato de instituição, pelo nu-proprietário a qualquer
pessoa.
2) Constituição voluntária
Na opinião da Professora Maria Helena Diniz,
antes já citada, o usufruto convencional (4) pode ser constituído,
voluntariamente: (a) por alienação, mediante atos jurídicos inter vivos ou
causa mortis, através dos quais o proprietário concede o usufruto a um
indivíduo conservando-lhe a nua propriedade; (b) por reserva, ou retenção,
mediante contrato, através do qual o proprietário cede a nua propriedade,
reservando para si o uso e o gozo da coisa.
A legislação prevê outras formas de
constituição do usufruto (por lei, por sub-rogação real, por usucapião, por
sentença), que não serão aqui enfocadas tendo em vista o escopo do presente
trabalho.
3) Extinção
Estará extinto o usufruto, entre outras
hipóteses elencadas no artigo 1.410 do novo Código, pela morte do usufrutuário
ou em decorrência de sua renúncia.
É de se ressaltar que, o usufrutuário pode
alienar o usufruto ao nu-proprietário, e somente a ele, dando ensejo à
consolidação da propriedade, outra hipótese de extinção do direito de uso e
gozo.
Seja qual for a causa de sua extinção, há de
ser cancelado o correspondente registro no Cartório de Registro de Imóveis
(caput do artigo 1.410, do CCB de 2002).
4) Reflexos na apuração e recolhimento do
Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens e Direitos
(ITCMD) de que trata a Lei Paulista nº 10.705/2000
O Regulamento do Imposto de Transmissão
“Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens e Direitos – RITCMD, aprovado pelo
Decreto nº 46.655, de 1º de abril de 2002, estabelece prazos para pagamento do
imposto, consideradas as hipóteses legais de incidência.
Nos casos de doação com reserva de usufruto
o imposto será recolhido (a) antes da lavratura da escritura, sobre o valor da
nua-propriedade; e (b) por ocasião da consolidação da propriedade plena, na
pessoa do nu-proprietário, sobre o valor do usufruto. Admite a regra do art.
31, § 3º, do RITCMD, o recolhimento do imposto, antes da lavratura da
escritura, sobre o valor integral da propriedade, se assim preferir o
contribuinte.
Na hipótese de o recolhimento ocorrer apenas
sobre o valor da nua-propriedade, por ocasião da consolidação da propriedade
plena surgirá novo fato gerador do imposto.
Portanto, a partir da extinção do usufruto
pode-se, então, ter prestação de contas a ser feita com o Fisco estadual e,
dependendo da hipótese que lhe der causa, entre as elencadas no art. 1410 do
CCB de 2002, deparamo-nos com algum tipo de dificuldade.
A renúncia do direito pelo usufrutuário, por
ato não oneroso, caracteriza doação ao nu-proprietário e como tal sujeita-se à
incidência do ITCMD, e se dela resultar imposto a pagar o recolhimento deverá
ser feito antes da celebração do ato da renúncia (Escritura Pública de Renúncia
de Usufruto).
Mas, e se o usufruto encontrar sua causa de
extinção na morte do usufrutuário ? É claro que não se trata de doação. É, na
verdade, uma transmissão “causa mortis”, portanto, no que respeita ao prazo de
pagamento do imposto, deveria estar abrigada pela norma do art. 31 do RITCMD,
porém não está.
É uma transmissão “causa mortis” que não se
sujeita a processo de inventário ou arrolamento e que, para os fins da
legislação registrária, registrado o cancelamento do usufruto, ato praticado
mediante a apresentação do comprovante do óbito do usufrutuário, adquire o
nu-proprietário, investido na condição de proprietário, também, o direito de
uso e gozo.
Como a extinção do usufruto, por ato “causa
mortis”, só está isenta do ITCMD se o direito tiver sido instituído pelo
nu-proprietário (alínea “f”, do inciso I, do art. 6º, da Lei nº 10.705/2000,
com as alterações da Lei nº 10.992/2001), não há dúvidas que se trata de
transmissão sujeita ao imposto de competência do Estado, todavia em que prazo o
valor apurado deve ser recolhido se a legislação, nesse particular silencia ? E
mais, pode o Oficial do Registro de Imóveis averbar a extinção do usufruto sem
exigir a prova de recolhimento do imposto, diante do que dispõe o inciso I, do
art. 8º, da Lei 10.705/2000, quando trata da responsabilidade solidária ?
Aguarda-se a manifestação oficial da
Secretaria da Fazenda, se provocada, ou a construção de jurisprudência que
pacifique estas tormentosas questões.
5) Preenchimento da Declaração sobre
Operações Imobiliárias – DOI
A constituição e extinção do usufruto
apresenta reflexos também no preenchimento da Declaração sobre Operações
Imobiliárias – DOI, obrigação instituída pelo Decreto-Lei nº 1.510, de 1976, e
hoje disciplinada, em caráter normativo, pela IN-SRF nº 324, de 28 de abril de
2003.
Quando o usufruto é constituído pela
reserva, ou retenção, mediante contrato, através do qual o proprietário cede a
nua propriedade, reservando para si o uso e o gozo da coisa, o reflexo na DOI
relativa à transmissão apenas da nua propriedade surgirá quando do
preenchimento do campo “Percentual de Participação do(s) Adquirente(s)”. O
nu-proprietário tem 100% (cem por cento) da propriedade do imóvel ou o
percentual de participação é menor em razão da retenção feita do usufruto ? E se
for menor, quanto menor é esse percentual?
É importante que não nos afastemos dos
objetivos que a Secretaria da Receita Federal tem com a DOI, sendo que, entre
eles está o interesse de conhecer quem transmitiu o quê, para quem, em que data
e por quanto.
No caso da Doação com Reserva de Usufruto
nem todos os direitos inerentes à propriedade acompanham a coisa cedida a
título gratuito. Como vimos, ocorre a retenção dos direitos de uso e gozo.
Então, não há dúvidas que se deve informar, nesses casos, que “A” cedeu para
“B” o imóvel “X” reservando para si o usufruto sobre esse imóvel. O problema é:
qual o valor dessa operação? Para os fins fiscais, qualquer que seja o ente
tributante, o valor não será o atribuído à propriedade plena pois esta depende
da extinção do usufruto para consolidar-se na pessoa do nu-proprietário. E essa
extinção é evento incerto, embora o usufruto seja tido como direito
temporariamente destacado da propriedade. Tanto assim é que a legislação
paulista do ITCMD estabele como prazo para pagamento do imposto sobre o valor
do usufruto a data em que ocorrer a consolidação da propriedade plena, ainda
que faculte ao contribuinte fazê-lo na data da transmissão da nua-propriedade.
Avançamos na análise. Já dá para que se
depreenda do racicíonio acima esposado que o valor é o correspondente ao da
nua-propriedade. Mas que valor é esse ?
Levando-se em conta a ficção jurídica que
divide a propriedade em duas partes para fins de incidência do imposto de
transmissão, uma representada pela nua-propriedade e outra pelo usufruto, no
Estado de São Paulo a primeira corresponde a 2/3 (dois terços) da propriedade
plena, enquanto que a segunda ao que resta do todo, ou seja, 1/3 (um terço). Em
outros estados a divisão pode ser diferente. Aliás, sabe-se que em alguns são
atribuídos percentuais iguais (50%), tanto para a nua-propriedade como para o
usufruto.
Por que não usá-los para informar os
percentuais exigidos pela DOI ?
Na verdade, a Receita não se manifestou
sobre o assunto, porém, por outro lado, não consta que algum interessado,
“cartório” ou entidade representativa da classe dos notários e registradores,
tenha provocado posicionamento oficial do Fisco, de tal sorte que, considerando
tudo quanto foi dito aqui é válida a alternativa que considera 66,66% (sessenta
e seis por cento e sessenta e seis décimos), divididos entre os adquirentes da
nua-propriedade como percentual de suas respectivas participações.
Contudo, a questão mais difícil de ser
enfrentada não é essa. Reside na necessidade, ou não, de se emitir a DOI na
instituição e na extinsão do usufruto.
Por tudo quanto acima foi apresentado ao
leitor do JN (nota do CNB: JN é Jornal do Notário, publicação do Colégio
Notarial do Brasil -Seção São Paulo), tanto na instituição como na extinção do
usufruto há a transmissão de um direito relativo a imóvel, o que, com base na
legislação específica que rege a matéria, é fato ensejador da comunicação ao
órgão fazendário federal, senão vejamos:
Decreto-Lei
nº 1.510/1976 – art. 15 - “Os serventuários da Justiça responsáveis por
Cartório de Notas ou de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, ficam
obrigados a fazer comunicação à Secretaria da Receita Federal dos documentos
lavrados, anotados, averbados ou registrados em seus Cartórios e que caracterizam
aquisição ou alienação de imóveis por pessoas físicas, conforme definidos no
art. 2º § 1º do Decreto-lei nº 1.381, de 23 de dezembro de 1974”. (Grifei)
Decreto-lei
nº 1.381/1974 – art. 2º, § 1º - “Caracterizam-se a aquisição e a alienação
pelos atos de compra e venda, de permuta, de transferência do domínio útil de
imóveis foreiros, de cessão de direitos, de promessas dessas operações, de
adjudicação ou arrematação em hasta pública, pela procuração em causa própria,
ou por outros contratos afins em que haja transmissão de imóveis ou de direitos
sobre imóveis.” (Grifei)
A clareza da redação atribuída aos
dispositivos acima transcritos não deixava qualquer dúvida, mas o que tinha
tudo para ser simples tornou-se complexo a partir da inclusão de entendimento
da Receita Federal no Perguntas e Respostas, editado pelo próprio órgão, que
contraria, de maneira frontal, o que acima se vê e que muitas vezes foi
repetido ao contribuinte nos atos adminitrativos assinados pelas autoridades
competentes.
Reproduzo, abaixo, a íntegra da Pergunta nº
134, do trabalho acima referido, para que se possa fazer atenta leitura de seus
termos:
Pergunta
134 – Usufruto
É
obrigatória a apresentação da DOI quando da lavratura de escritura de usufruto
sem alteração dos proprietários do imóvel ?
R:
Não. Escritura de usufruto não caracteriza a transferência do imóvel.
Fonte:
notariado
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