Milhares
vão às ruas protestar contra a corrupção, mas pequenos desvios e desobediências
fazem parte do cotidiano do brasileiro
Sonegar
impostos quando as taxas são elevadas é aceitável? E subornar um guarda para
escapar de uma multa? O conceito de honestidade é relativo, a depender da
situação com a qual se confronta?
Pelo
menos um em cada quatro brasileiros diria que sim. Esse tipo de desvio de
conduta, cotidiano e dissimulado, que chamamos de “jeitinho brasileiro”,
evidencia a contradição entre a indignação popular em relação à corrupção no
setor público e a relativização dos pequenos delitos e desobediências.
Duas
pesquisas recentes mostram que os brasileiros têm dificuldade para compreender
a noção de ética e distinguir o privado e o bem comum, o que pode explicar os
dois pesos e duas medidas. O estudo conduzido pela Universidade de Brasília
(UNB) revelou que 31% não entende a diferença entre o que é público e o que é
privado. Já a pesquisa feita pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
descobriu que o desvio individual não é entendido como corrupção – por isso
tanta gente considera sonegar impostos errado, mas não corrupto.
“Ladeira
escorregadia”
Especialistas
explicam que a naturalização de desvios de conduta no dia a dia tem mais a ver
com aspectos culturais, políticos e econômicos do que com caráter individual. O
procurador do Ministério Público Federal (MPF) e integrante da força-tarefa da
Lava Jato, Paulo Galvão, considera a impunidade o elemento decisivo na equação
da corrupção, seja ela de grandes ou pequenas proporções.
“Pesquisas
mostram que a corrupção é uma decisão racional, na qual o indivíduo pondera
benefícios e riscos. Se os riscos são baixos, as pessoas cometem a corrupção”,
explica. Galvão destaca ainda a metáfora slippery-slope (ladeira escorregadia),
termo utilizado para descrever o comportamento corrupto: a cada desvio cometido
e não punido, os limites morais tornam-se mais flexíveis e o próximo desvio,
mais grave.
O
assunto é espinhoso: muita gente faz, mas não admite; ou faz porque todo mundo
faz; ou porque “tem coisa muito pior”. A dúvida sobre se existe diferença entre
desviar dinheiro público ou pagar propina em processos licitatórios e declarar
informações falsas ao Imposto de Renda ou subornar o guarda para evitar multas
(duas das pequenas corrupções mais cometidas pelos brasileiros, segundo a
Controladoria Geral da União) é comum.
O
cientista social Robson Souza, da PUC-MG, esclarece que existe diferença, sim.
As consequências geradas é que definem a maior ou menor gravidade da corrupção.
No entanto, ele ressalta que os pequenos desvios no âmbito privado, mesmo sem
intenção criminosa, repercutem formando uma cultura leniente e descrente da
lei, legitimando a ação dos grandes corruptores e corruptos.
Caminhos
possíveis
Para
resolver esse problema, especialistas apontam dois caminhos: fiscalização e
punição adequada para atos corruptos e educação. “Uma das medidas para inibir a
corrupção seria aumentar a probabilidade de punição e a pena”, avalia Galvão,
fazendo menção à campanha encampada pelo MPF, “Dez medidas contra a corrupção”,
que pretende transformar atos corruptos em crime hediondo.
Na
avaliação de Souza, uma mudança de comportamento mais efetiva demanda
intervenções profundas nas estruturas de poder e no sistema educacional. “As
escolas têm de ensinar noções de pertencimento e de esforço coletivo para
formar pessoas críticas e comprometidas com sua comunidade”, aposta Souza.
Já
o economista Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília (UNB), aponta a
atuação do MP e da Polícia Federal no âmbito da Lava-Jato como embrionária de
uma nova consciência coletiva. “Pode interferir positivamente, sim. Mas uma
mudança dessas não acontece de uma hora para outra: envolve várias gerações e
precisa acontecer tanto na sociedade civil quanto na política, no longo prazo.”
O
custo social
As
consequências de tornar a corrupção miúda tolerável afetam tanto as relações
privadas e interpessoais quanto a coletividade. “O jeitinho brasileiro estimula
uma competitividade exacerbada, cria um cenário em que a preocupação é obter
vantagem em qualquer situação e a qualquer custo. De uma perspectiva social, se
constrói uma sociedade sem apreço pelo espaço público, incapaz de reconhecer
suas qualidades e despreocupada em contribuir para sua melhoria”, observa o
cientista social Robson Souza, que estuda pequenas corrupções do cotidiano.
Colaborou
Kelli Kadanus.
Fonte:
gazetadopovo
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