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A
questão dos honorários de sucumbência está novamente em pauta. Uma nova Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5055-DF) foi ajuizada contra a
transferência de titularidade dos honorários de sucumbência do vencedor do
processo (artigo 20 do CPC) para o advogado do vencedor (artigos 22 e 23 do
EOAB). A importância e repercussão da nova ADI sobre milhões de processos e no
patrimônio dos jurisdicionados pedem ampla publicidade do caso e respeitoso
debate sobre o tema.
A
associação nacional autora, além dos argumentos fundados na doutrina clássica e
manifestações dos Ministros do Supremo, destaca na petição inicial que:
É
lamentável que no Congresso Nacional, onde estão os
representantes
eleitos para exercerem o poder em nome do povo (CF, § único do artigo 1º), e
onde se votam leis que deveriam ter caráter abstrato, mas que no mais das vezes
são leis corporativas em detrimento da regra de conduta estabelecida pelo
Código de Processo Civil, que é um “instrumento que o Estado põe à disposição
dos contendores para atuação do direito e realização da justiça” (Exposição de
Motivos, III, a), 17), através do qual o Estado exerce o monopólio da
jurisdição, função decorrente de sua soberania, e esse espírito corporativista
é exatamente o que contraria o princípio o sucumbimento.
Partindo
dessa premissa legal, devem os honorários sucumbenciais se destinar ao
reembolso da parte vencedora da demanda, porque se assim não for, além da evidente
negação de vigência do referido dispositivo, estar-se-á enriquecendo
ilicitamente advogados inescrupulosos, que se aproveitam do corporativismo que
levou o Congresso Nacional e a Presidência da República a dar vigência ao
artigo 23 da Lei 8906/94, o que, com efeito, foi uma IMORALIDADE do
Legislador.[1]
Na
ADI anterior (ADI 1.194-4/DF) sobre a mesma questão dos honorários de
sucumbência, extinta sem julgamento do mérito quanto aos artigos 22 e 23 da
EOAB, mas com claro indicativo de inconstitucionalidade nos pronunciamentos dos
ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluzo, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, o
Ministério Público, em parecer da Subprocuradora-Geral da República Anadyr de
Mendonça Rodrigues, opinou pela parcial procedência da referida ação, defendendo
que “o titular do direito a tais honorários faça deles uso, como lhe aprouver,
mediante ajuste contratual”.[2]
A
ementa apresentada pelo Ministério Público na anterior ADI 1.194-4/DF resume
parecer pela procedência parcial da ADI 1.194-4/DF, assim:
2.
Honorários advocatícios: estando no campo dos bens DISPONÍVEIS, não há
razoabilidade jurídica em se pretender impedir que o titular de direito a tais
honorários faça deles uso, como lhe aprouver, mediante ajuste contratual.
3.
Cerceamento, pela LEI, ao titular do direito sobre os honorários advocatícios,
da LIBERDADE DE DISPOR de tais bens: inconstitucionalidade, frente à garantia
constitucional do direito de propriedade.
4.
Ação direta de inconstitucionalidade suscetível de ser julgada procedente
apenas em parte.[3]
Na
nova ADI 5.055-DF, a Procuradoria Geral da República, em parecer assinado pelo
procurador-geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, representando
o Ministério Público, seguindo outro caminho, apresentou manifestação pela
improcedência da nova ADI, sem mesmo exigir ajuste contratual para
transferência dos honorários de sucumbência, mínima garantia para o
jurisdicionado, conforme ementa abaixo:
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 22 E 23 DA LEI 8.906, DE 4 DE JULHO DE
1994 (ESTATUTO DA OAB). ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 1º, II E III, E 5ª CAPUT,
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: INOCORRÊNCIA.
...
3
- Honorários de sucumbência. Titularidade. Conflito aparente de normas.
Adequação do disposto nos arts. 22 e 23 do Estatuto da OAB com o § 3º do art.
20 do CPC. Caráter remuneratório da verba honorária fixada na sentença.
Princípios da causalidade e da sucumbência que não afastam a natureza alimentar
dos honorários. Liberdade de pactuação entre cliente e advogado quanto a
destinação dos honorários de sucumbência que possibilita eventuais compensações
com os honorários contratuais, de modo a preservar o direito da parte vencedora
à recomposição do conteúdo econômico-patrimonial.
4
- Parecer pelo não conhecimento da ação ou, caso conhecida, pela improcedência
do pedido.[4]
A
Constituição Federal incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica,
do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis
(artigo 127 da CF). O devido processo legal substantivo e o acesso ao
Judiciário institucionalmente justo é ferramenta indispensável para realização
da ordem jurídica, do regime democrático e direitos sociais.
Causa
surpresa, então, ver o Ministério Público apoiar transferência de verba
indenizatória do jurisdicionado (artigo 20 caput do CPC) para o advogado
(artigo 22 e 23 do Estatuto da OAB), desfigurando o devido processo legal
substantivo, desqualificando o acesso ao Judiciário e inviabilizando o
cumprimento do princípio da recomposição integral do patrimônio ilegalmente
ofendido.
O
Ministério Público não deu atenção à posição dos ministros do Supremo sobre o
assunto (anterior ADI 1.194-4/DF) e, especialmente, à recente decisão do
Plenário do STF, RE 384.866 Goiás, reconhecendo o direito da parte vencedora do
processo aos honorários de sucumbência como garantia constitucional de acesso
ao Judiciário — inciso XXXV do artigo 5º da Carta de 1988, resumida na seguinte
ementa:
-HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS – ACESSO AO JUDICIÁRIO. A garantia constitucional relativa ao
acesso ao Judiciário – inciso XXXV do artigo 5º da Carta de 1988 – é conducente
a assentar-se, vencedora a parte, o direito aos honorários advocatícios.
-HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS – JUIZADO ESPECIAL – LEI Nº 10.259/01. Uma vez interposto recurso
para turma recursal, credenciado advogado, cabe o reconhecimento do direito aos
honorários advocatícios.
-HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS – ARTIGO 29-C DA LEI Nº 8.036/90 –EXCLUSÃO –
INCONSTITUCIONALIDADE. A exclusão dos honorários advocatícios prevista no
artigo 29-C da Lei nº 8.036/90 surge conflitante com a Constituição Federal,
com o princípio segundo o qual o cidadão compelido a ingressar em juízo, se
vencedor, não deve sofrer diminuição patrimonial.
O
voto condutor do acórdão, acompanhado por todos ministros, destacou que:
“Aquele compelido a ingressar em juízo não pode ter contra si, além da passagem
do tempo sem que possa usufruir de imediato direito, a perda patrimonial, que
estará configurada caso tenha de arcar com as despesas processuais, com ônus
decorrente da necessária contratação de advogado para lograr a prestação
jurisdicional, a eficácia do direito integrado ao patrimônio.”[5]
O
parecer da PGR toma como fundamento a natureza alimentar dos honorários,
deixando de fazer a necessária distinção entre honorários contratuais, onde a
natureza remuneratória e alimentar é certa, e os honorários de sucumbência que,
apesar do nome honorários, têm natureza nitidamente indenizatória, como
determina o caput do artigo 20 do CPC, devidamente explicitado e justificado na
respectiva Exposição de Motivos.
O
processo judicial, sem a automática indenização das despesas ao vencedor, passa
a ser defeituoso e insuficiente, mascarando o acesso ao Judiciário, como já
assentou a Corte Suprema. O jurisdicionado que, para receber 100 no Judiciário,
gasta 20% de honorários contratuais com seu advogado, por exemplo, sem a verba
de sucumbência indenizatória, recebe somente 80% de seu direito, ofendendo
todos os princípios de justiça.
Por
outro lado, a manutenção da verba indenizatória automática para o
jurisdicionado, cumprindo sua função lógica e constitucional, não causa
qualquer prejuízo ao advogado, que, experto em direito e relações sociais, tem
competência e poder para contratar honorários dignos, incluindo eventualmente a
própria verba indenizatória, quando devidamente informado o jurisdicionado e
considerado o importante princípio da reparação integral do vencedor do
processo.
O
parecer afirma adequação do disposto nos artigos 22 e 23 do EOAB com o § 3º do
artigo 20 do CPC, que define os critérios para fixação da verba com base na
complexidade da causa e trabalho do advogado. O argumento é equivocado. O CPC
fixou diretrizes para fixação dos honorários de sucumbência permitindo que o
juiz não fique atrelado ao valor combinado entre a parte vencedora e seu
advogado, evitando valores de indenizações inidôneos.
Parece
não haver dúvida que o § 3º mencionado deve ser considerado em consonância com
a regra principal do caput (A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor
as despesas que antecipou e os honorários advocatícios) e não isoladamente. A
mudança de titularidade para o advogado prevista no novo CPC (artigo 85, com
acelerada elevação no patamar da verba) em nada modifica, pois a
inconstitucionalidade da transferência continua.
Ao
final, o parecer, tentando remediar o irremediável e deixar uma saída honrosa
para a insólita solução apresentada, sustenta que a liberdade de pactuação
entre cliente e advogado, quanto à destinação dos honorários de sucumbência,
possibilita eventuais compensações com os honorários contratuais, de modo a
preservar o direito da parte vencedora à recomposição do conteúdo econômico-patrimonial.
O
Ministério Público, que tem incumbência constitucional de atuar para realização
do processo judicial justo e para o completo acesso ao Judiciário, deixa para o
jurisdicionado, parte mais frágil, consumidor de serviço público, aquele que
adere ao contrato, que deve ser protegido, o embaraçoso ônus de negociar com
seu advogado a remotíssima possibilidade de mudar a regra da lei e conseguir
compensação para poder receber integralmente seu direito.
A
Procuradoria Geral da República, em vez de fazer defesa intransigente da
necessidade e constitucionalidade de todas as insuspeitas verbas indenizatórias
do processo judicial (reembolso de custas, gastos com honorários de advogado,
perito e assistente, despesas com viagem e diárias), optou por apoiar
incrementos financeiros corporativos, taxa de duvidosa constitucionalidade.
O
parecer da PGR, abandonando o cidadão que é obrigado a procurar o Judiciário
para realizar seus direitos, com repercussão em milhões de processos judiciais
e na própria imagem do Judiciário, pode entrar para a história, por destoar da
costumeira e honrosa atuação do Ministério Público, sempre em defesa dos menos
favorecidos, equalizando forças, buscando em primeiro lugar interesses sociais
e justiça.
A
situação não está nada boa para o jurisdicionado, o pacato cidadão que procura
o Judiciário. O Estatuto da OAB apoderou-se da verba indenizatória do
jurisdicionado. O novo CPC confirmou o avanço e incrementou a verba. A taxa
corporativa também está sendo criada na CLT. A Advocacia da União, seguindo o
argumento genérico de "verba alimentar", parece que vai apoderar-se
da verba indenizatória da União para seus procuradores, além da remuneração
normal. Empresas públicas seguem o mesmo caminho.
O
quadro é preocupante e permite alguns questionamentos: O serviço público
judicial está sendo capturado por interesses privados? Por que o Ministério
Público mudou de posição? Será que também tem pretensões futuras sobre a verba
honorária, nos processos em que advoga como parte autora?
A
nova ADI 5.055 DF é a segunda oportunidade histórica para o STF efetivar o
completo acesso ao Judiciário. Espera-se que a Suprema Corte, dando
continuidade ao indicativo já delineado na ADI 1.194-4 DF, nos famosos votos
dos ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluzo, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa,
seguindo o sentido da corajosa decisão plenária assentada no RE 384.866 Goiás,
acima resumida, afaste os vários obstáculos processuais interpostos contra a
nova ADI 5.055 DF e espanque de vez a cegueira deliberada sobre a natureza
indenizatória da disputada verba de sucumbência, garanta o correto acesso ao
Judiciário, restabeleça a dignidade do jurisdicionado, assim realizando a
sempre almejada justiça.
Fonte:
CONJUR
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