“Judiciário
intervém porque a política não resolve”, diz associação dos magistrados
Presidente
da Associação dos Magistrados Brasileiros condena ofensiva de aliados de Cunha
contra o ministro Luis Roberto Barroso, cobra “novo paradigma ético” do
Congresso e diz que Parlamento foge de suas responsabilidades
A
ofensiva de aliados do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), contra o
ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), acirrou os
ânimos entre o Legislativo e o Judiciário.
Após
divulgarem uma nota de repúdio contra o ministro, as bancadas ruralista, da
bala e evangélica acionaram a Procuradoria Parlamentar para pedir providências
contra o responsável pelo voto que anulou a comissão do impeachment eleita em
votação secreta.
Alguns
deputados defendem que Barroso seja acusado de crime de responsabilidade e, com
isso, vire ele mesmo alvo de impeachment no Supremo.
Para
o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo
Costa, a atitude dos parlamentares causa “perplexidade” à magistratura pela
falta de argumentos e pela fuga do Congresso de suas responsabilidades.
“É
momento de o Parlamento olhar para a sociedade brasileira, ter atitudes mais
transparentes, fundar um novo paradigma ético de atuação. O Judiciário está
fazendo sua intervenção porque a política não está resolvendo”, declarou o
presidente da AMB ao Congresso em Foco.
Na
avaliação do juiz gaúcho, o Legislativo precisa reavaliar seus procedimentos em
vez de fugir de suas obrigações.
“Está
mais que na hora de o Congresso olhar sua função, repensar seus procedimentos
em vez de atacar. Agora virou moda atacar juiz quando eles não gostam de uma
decisão. É importante que tenha crítica às decisões, mas não para pressionar ou
imputar parcialidade ao juiz. Esta é uma maneira de o Congresso fugir da
realidade e das suas obrigações”, afirmou João Ricardo.
Crítica
e autocrítica
Descontentes
com a interpretação de Barroso quanto à formação do colegiado que analisará o
processo de impeachment, deputados próximos a Cunha acusam o ministro de ter
omitido de seu parecer pontos do regimento interno da Câmara e,
consequentemente, induzir seus pares ao erro.
Com
a decisão do Supremo, a comissão do impeachment composta majoritariamente por
parlamentares da oposição foi anulada e nova eleição, desta vez com voto
aberto, terá de ser convocada.
Para
o presidente da AMB, a acusação contra o ministro é “totalmente absurda”, já
que o próprio Barroso mostrou que o vídeo no qual os parlamentares ampararam
sua denúncia foi editado e distorcido, com a supressão da parte cobrada pelos
parlamentares.
“Está
na hora de o Parlamento fazer sua autocrítica e resolver essas questões, votar
e prestar contas à sociedade das suas posições. Temos denúncias gravíssimas de
corrupção no Congresso, de que saquearam os cofres públicos, e isso parece não
acontecer por lá, parece que não é prioridade”, criticou João Ricardo.
“Buscam
situações marginais para escapar dessa questão de fundo. A sociedade quer saber
se vai haver por parte deles enfrentamento contra a corrupção, se o Congresso
vai encarar essa luta de frente junto com ela ou não. É isso que a sociedade
quer saber”, acrescentou o magistrado.
Segundo
o presidente da AMB, a magistratura não vai admitir qualquer interferência
contra o Judiciário. “Não podem anular a função constitucional do Judiciário em
razão do descontrole político que vivemos no país”, disse João Ricardo.
Nas
mãos do Supremo
Para
o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, a investida de aliados
de Cunha contra o ministro Barroso reflete uma espécie de “prevenção” dos
deputados contra eventuais novas intervenções do Supremo.
Entre
os itens que estão para ser analisados pela corte estão o pedido de afastamento
do presidente da Câmara, feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, e a denúncia criminal contra o peemedebista, acusado de receber propina
do esquema de corrupção na Petrobras.
Segundo
João Ricardo, o atual Congresso tem sido fértil para as interferências do
Judiciário.
“Pela
maneira com que o processo legislativo vem sendo conduzido, com empurrões,
votação secreta, cabresteamento de votos, acho razoável que aqueles
parlamentares que se sentem prejudicados ou alijados busquem o Judiciário,
porque é o poder constitucional que garante o acesso ao pleno exercício do
mandato parlamentar. Não podemos descartar a intervenção do Judiciário nessas
questões”, afirmou.
Antes
da AMB, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) já havia se manifestado por
meio de nota em defesa de Barroso. “A Ajufe não admitirá, sem a devida reação,
ataques ao Supremo Tribunal Federal e ao Poder Judiciário, tampouco que
informações inverídicas sejam divulgadas à sociedade com o intuito de, por si
só, macular a imagem de seus membros”, advertiu a entidade por meio de seu
presidente, Antônio César Bochenek, em comunicado divulgado semana passada.
Desarmonia
entre Poderes
O
manifesto liderado pelos deputados das bancadas evangélica, ruralista e da bala
classifica a argumentação de Luis Roberto Barroso como “tormentosa”, critica
sua “atitude repreensível” e chega a atribuir crime de responsabilidade ao
ministro, devido à alegada interferência nas prerrogativas da Câmara e ao que
seria um atentado à harmonia entre os Poderes.
“As
Leis Orgânicas da Magistratura e do Ministério Público, em todas as eleições,
em todas as eleições, estatuem que se realizam por voto secreto. São todos
dispositivos inconstitucionais?”, questionaram os deputados.
Instado
pelas três bancadas a tomar providências em nome da Casa, o procurador
parlamentar, Cláudio Cajado (DEM-BA, informou ao Congresso em Foco que sua
assessoria ainda vai analisar o pedido dos deputados.
“Isso
será totalmente absurdo, o que houve foi uma decisão judicial, não há elemento
que cogite impeachment de um ministro por ele ter dado uma decisão judicial. É
completamente surreal, mais um desdobramento da precariedade política que nós
estamos vivendo”, condenou João Ricardo Costa.
*****
A
nota da Bancada BBB:
Manifesto
de repúdio ao posicionamento do Ministro Luís Roberto Barroso, na ADPF n.378 do
STF, por subtrair competência da Câmara dos Deputados:
É
com extremo pesar que esta Frente Parlamentar se vê na necessidade de vir a
público para externar sua profunda consternação e repúdio com o voto
apresentado por Sua Excelência Ministro Luís Roberto Barroso no julgamento pelo
Supremo Tribunal Federal da Medida Cautelar na Ação Declaratória de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 378, sessão plenária ocorrida
no dia 17 de dezembro de 2015, atingindo gravemente a independência dos
Poderes.
Em
que pese seu notório conhecimento jurídico e sua ilibada reputação, o Ministro,
ao proferir seu voto, omitiu propositalmente parte do Regimento Interno da
Câmara dos Deputados, para manipulá-lo e adequá-lo ao seu entendimento
político-partidário, o que é vedado pelo artigo 39, item 3 e 5, da Lei nº
1.079/1950.
Essa
Lei do Impeachment determina que a Comissão deverá ser ‘eleita’.
Ao
ler o inciso III do artigo 188 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados
(RICD), o referido Ministro, embora alertado pelo Ministro Teori Zavascki,
omitiu, intencionalmente, a expressão ‘e demais eleições’, com nítido interesse
em induzir os demais pares a erro, ipsis litteris:
Art.
188. A votação por escrutínio secreto far-se-á pelo sistema eletrônico, nos
termos do artigo precedente, apurando-se apenas os nomes dos votantes e o
resultado final, nos seguintes casos:
III
– para eleição do Presidente e demais membros da Mesa Diretora, do Presidente e
Vice-Presidentes de Comissões Permanentes e Temporárias, dos membros da Câmara
que irão compor a Comissão Representativa do Congresso Nacional e dos 2 (dois)
cidadãos que irão integrar o Conselho da República e nas demais eleições;
O
Regimento Interno do Senado Federal tem idêntica disposição, sobre o voto
secreto (art. 291, II – nas eleições). Assim, por via oblíqua, também está
sendo atingido, o que gerará graves consequências também naquela Casa.
Na
Corte, o intento foi obtido, pois a supressão da expressão ‘e nas demais
eleições’ se adequaria exatamente ao caso discutido naquele momento, onde
quatro palavras omitidas poderiam mudar o rumo da ação, reconhecendo a correção
da decisão parlamentar.
Ao
subtrair a expressa previsão regimental, ocultou dos demais Ministros a
existência do preceito que previa a votação secreta, tal qual realizada,
levando a uma decisão de estreita maioria (6 a 5, ou seja, apenas um voto
diferencial), o que anulou procedimento interno legítimo iniciado no Poder
Legislativo e configurou uma clara e irregular violação à separação dos
Poderes, diretriz basilar de nossa Constituição.
É
preceito constitucional o dever de o Poder Legislativo ‘zelar pela preservação
de sua competência legislativa’ (art. 49, inc.XI da CF) e, segundo a Carta
Magna (art. 58), compete à Câmara regrar sobre a criação de suas comissões.
Esse
esforço em tergiversar não só se percebe naquela leitura omissiva, como também
na tortuosa igualação das definições de escolha com eleição, tão distintamente
tratadas na legislação, e, ainda, na inveraz assertiva de que estava obedecendo
ao rito do julgado no caso Collor, pois que o STF nunca examinou a criação da
Comissão Especial daquele Impeachment. O que a Corte analisou foram os atos por
ela praticados, mas não sua criação. A Corte nunca deliberou sobre voto
secreto, ou não, na eleição da Comissão.
Não
se pode confundir ‘deliberações’ da Câmara, as quais devem ser por voto aberto,
com ‘eleições’. Na eleição, opta-se por pessoas, e sempre se deram por voto
secreto. A CF de 1946, que todos a reconhecem democrática, dispunha no art. 43
que as eleições da Câmara deveriam se dar por voto secreto. Na Constituição de
1988, as eleições, no Parlamento, foram transferidas para o Regimento, que
manteve a mesma disciplina. Nos parlamentos democráticos do mundo o voto é
secreto. O art. 97 do Regimento da Assembleia da República Portuguesa isso
afirma; assim também o art. 49-1 do Regulamento da Câmara dos Deputados da
Itália; o art. 63 da Assembleia Nacional Francesa; o art. 182 do Regimento do
Parlamento Europeu, dentre outros. Que assim deve ser, percebe-se que, quanto
ao Poder Judiciário e Ministério Público (arts. 98, 119, 120, 130-A) a
Constituição determina que as eleições se procedam por voto secreto. As Leis
Orgânicas da Magistratura e do Ministério Público, em todas as eleições, em
todas as eleições, estatuem que se realizam por voto secreto. São todos
dispositivos inconstitucionais?
Beira
ao absurdo a decisão, na medida em que, por via transversa, está declarando
inconstitucionais todas as eleições em todos os Poderes.
A
sustentação construída tormentosamente corresponde a atitude repreensível,
tipificada como crime de responsabilidade, por traduzir conduta incompatível com
a honra e decoro das funções de Ministro da Suprema Corte, sobremodo porque
direcionada ao menoscabo da competência de um Poder.
Por
isso, decidiram estas Frentes Parlamentares denunciar à Nação a ofensa a
prerrogativas do Poder Legislativo, malferindo o preceito constitucional da
separação dos Poderes, pondo em risco a independência da Instituição e, ainda,
promover a responsabilização junto ao Senado Federal, além de comunicar à OAB
[Ordem dos Advogados do Brasil] e à Procuradoria da Câmara objetivando
preservar o exercício da competência da Casa.
Brasília,
02 de fevereiro de 2016.
*****
A
nota da Ajufe:
A
Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe – vem a público manifestar seu
apoio ao Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), no
tocante à sua atuação na ADPF 378, em face do manifesto divulgado por
parlamentares na tarde de quarta-feira (03), em que acusam o Ministro de crime
de responsabilidade por ter omitido intencionalmente trecho de dispositivo do
Regimento Interno da Câmara dos Deputados durante sessão de julgamento da
referida ADPF.
Para
a Associação, o manifesto representa um ataque indevido à jurisdição da Suprema
Corte e seu conteúdo é incompatível com a leitura que qualquer pessoa de boa-fé
possa fazer da exposição dos argumentos utilizados pelo Ministro.
A
deliberação colegiada é, no mais das vezes, permeada por apartes e intervenções
que constroem, em conjunto, a decisão coletiva. Seria uma conclusão por demais
simplista admitir que, no julgamento em questão, os ministros foram induzidos
pela leitura entrecortada de um artigo, já que puderam estudar detidamente o
processo antes da sessão pública. Pensar diferentemente seria menosprezar a
capacidade dos ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal.
Reiteramos
a confiança depositada na Suprema Corte brasileira e nos seus ministros e em
sua capacidade de prestar a mais íntegra jurisdição.
A
Ajufe não admitirá, sem a devida reação, ataques ao Supremo Tribunal Federal e
ao Poder Judiciário, tampouco que informações inverídicas sejam divulgadas à
sociedade com o intuito de, por si só, macular a imagem de seus membros.
Antônio
César Bochenek
Presidente
da Ajufe
POR
EDSON SARDINHA
no
Congresso em Foco
Fonte:
viomundo
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