sábado, 13 de fevereiro de 2016

No país dos absurdos, aliados de Cunha insistem em cassar Barroso




“Judiciário intervém porque a política não resolve”, diz associação dos magistrados

Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros condena ofensiva de aliados de Cunha contra o ministro Luis Roberto Barroso, cobra “novo paradigma ético” do Congresso e diz que Parlamento foge de suas responsabilidades

A ofensiva de aliados do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), contra o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), acirrou os ânimos entre o Legislativo e o Judiciário.

Após divulgarem uma nota de repúdio contra o ministro, as bancadas ruralista, da bala e evangélica acionaram a Procuradoria Parlamentar para pedir providências contra o responsável pelo voto que anulou a comissão do impeachment eleita em votação secreta.

Alguns deputados defendem que Barroso seja acusado de crime de responsabilidade e, com isso, vire ele mesmo alvo de impeachment no Supremo.

Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa, a atitude dos parlamentares causa “perplexidade” à magistratura pela falta de argumentos e pela fuga do Congresso de suas responsabilidades.

“É momento de o Parlamento olhar para a sociedade brasileira, ter atitudes mais transparentes, fundar um novo paradigma ético de atuação. O Judiciário está fazendo sua intervenção porque a política não está resolvendo”, declarou o presidente da AMB ao Congresso em Foco.

Na avaliação do juiz gaúcho, o Legislativo precisa reavaliar seus procedimentos em vez de fugir de suas obrigações.

“Está mais que na hora de o Congresso olhar sua função, repensar seus procedimentos em vez de atacar. Agora virou moda atacar juiz quando eles não gostam de uma decisão. É importante que tenha crítica às decisões, mas não para pressionar ou imputar parcialidade ao juiz. Esta é uma maneira de o Congresso fugir da realidade e das suas obrigações”, afirmou João Ricardo.

Crítica e autocrítica

Descontentes com a interpretação de Barroso quanto à formação do colegiado que analisará o processo de impeachment, deputados próximos a Cunha acusam o ministro de ter omitido de seu parecer pontos do regimento interno da Câmara e, consequentemente, induzir seus pares ao erro.

Com a decisão do Supremo, a comissão do impeachment composta majoritariamente por parlamentares da oposição foi anulada e nova eleição, desta vez com voto aberto, terá de ser convocada.

Para o presidente da AMB, a acusação contra o ministro é “totalmente absurda”, já que o próprio Barroso mostrou que o vídeo no qual os parlamentares ampararam sua denúncia foi editado e distorcido, com a supressão da parte cobrada pelos parlamentares.

“Está na hora de o Parlamento fazer sua autocrítica e resolver essas questões, votar e prestar contas à sociedade das suas posições. Temos denúncias gravíssimas de corrupção no Congresso, de que saquearam os cofres públicos, e isso parece não acontecer por lá, parece que não é prioridade”, criticou João Ricardo.

“Buscam situações marginais para escapar dessa questão de fundo. A sociedade quer saber se vai haver por parte deles enfrentamento contra a corrupção, se o Congresso vai encarar essa luta de frente junto com ela ou não. É isso que a sociedade quer saber”, acrescentou o magistrado.

Segundo o presidente da AMB, a magistratura não vai admitir qualquer interferência contra o Judiciário. “Não podem anular a função constitucional do Judiciário em razão do descontrole político que vivemos no país”, disse João Ricardo.

Nas mãos do Supremo

Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, a investida de aliados de Cunha contra o ministro Barroso reflete uma espécie de “prevenção” dos deputados contra eventuais novas intervenções do Supremo.

Entre os itens que estão para ser analisados pela corte estão o pedido de afastamento do presidente da Câmara, feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e a denúncia criminal contra o peemedebista, acusado de receber propina do esquema de corrupção na Petrobras.

Segundo João Ricardo, o atual Congresso tem sido fértil para as interferências do Judiciário.

“Pela maneira com que o processo legislativo vem sendo conduzido, com empurrões, votação secreta, cabresteamento de votos, acho razoável que aqueles parlamentares que se sentem prejudicados ou alijados busquem o Judiciário, porque é o poder constitucional que garante o acesso ao pleno exercício do mandato parlamentar. Não podemos descartar a intervenção do Judiciário nessas questões”, afirmou.

Antes da AMB, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) já havia se manifestado por meio de nota em defesa de Barroso. “A Ajufe não admitirá, sem a devida reação, ataques ao Supremo Tribunal Federal e ao Poder Judiciário, tampouco que informações inverídicas sejam divulgadas à sociedade com o intuito de, por si só, macular a imagem de seus membros”, advertiu a entidade por meio de seu presidente, Antônio César Bochenek, em comunicado divulgado semana passada.

Desarmonia entre Poderes

O manifesto liderado pelos deputados das bancadas evangélica, ruralista e da bala classifica a argumentação de Luis Roberto Barroso como “tormentosa”, critica sua “atitude repreensível” e chega a atribuir crime de responsabilidade ao ministro, devido à alegada interferência nas prerrogativas da Câmara e ao que seria um atentado à harmonia entre os Poderes.

“As Leis Orgânicas da Magistratura e do Ministério Público, em todas as eleições, em todas as eleições, estatuem que se realizam por voto secreto. São todos dispositivos inconstitucionais?”, questionaram os deputados.

Instado pelas três bancadas a tomar providências em nome da Casa, o procurador parlamentar, Cláudio Cajado (DEM-BA, informou ao Congresso em Foco que sua assessoria ainda vai analisar o pedido dos deputados.

“Isso será totalmente absurdo, o que houve foi uma decisão judicial, não há elemento que cogite impeachment de um ministro por ele ter dado uma decisão judicial. É completamente surreal, mais um desdobramento da precariedade política que nós estamos vivendo”, condenou João Ricardo Costa.

*****

A nota da Bancada BBB:

Manifesto de repúdio ao posicionamento do Ministro Luís Roberto Barroso, na ADPF n.378 do STF, por subtrair competência da Câmara dos Deputados:

É com extremo pesar que esta Frente Parlamentar se vê na necessidade de vir a público para externar sua profunda consternação e repúdio com o voto apresentado por Sua Excelência Ministro Luís Roberto Barroso no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Medida Cautelar na Ação Declaratória de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 378, sessão plenária ocorrida no dia 17 de dezembro de 2015, atingindo gravemente a independência dos Poderes.

Em que pese seu notório conhecimento jurídico e sua ilibada reputação, o Ministro, ao proferir seu voto, omitiu propositalmente parte do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, para manipulá-lo e adequá-lo ao seu entendimento político-partidário, o que é vedado pelo artigo 39, item 3 e 5, da Lei nº 1.079/1950.

Essa Lei do Impeachment determina que a Comissão deverá ser ‘eleita’.

Ao ler o inciso III do artigo 188 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), o referido Ministro, embora alertado pelo Ministro Teori Zavascki, omitiu, intencionalmente, a expressão ‘e demais eleições’, com nítido interesse em induzir os demais pares a erro, ipsis litteris:

Art. 188. A votação por escrutínio secreto far-se-á pelo sistema eletrônico, nos termos do artigo precedente, apurando-se apenas os nomes dos votantes e o resultado final, nos seguintes casos:

III – para eleição do Presidente e demais membros da Mesa Diretora, do Presidente e Vice-Presidentes de Comissões Permanentes e Temporárias, dos membros da Câmara que irão compor a Comissão Representativa do Congresso Nacional e dos 2 (dois) cidadãos que irão integrar o Conselho da República e nas demais eleições;

O Regimento Interno do Senado Federal tem idêntica disposição, sobre o voto secreto (art. 291, II – nas eleições). Assim, por via oblíqua, também está sendo atingido, o que gerará graves consequências também naquela Casa.

Na Corte, o intento foi obtido, pois a supressão da expressão ‘e nas demais eleições’ se adequaria exatamente ao caso discutido naquele momento, onde quatro palavras omitidas poderiam mudar o rumo da ação, reconhecendo a correção da decisão parlamentar.

Ao subtrair a expressa previsão regimental, ocultou dos demais Ministros a existência do preceito que previa a votação secreta, tal qual realizada, levando a uma decisão de estreita maioria (6 a 5, ou seja, apenas um voto diferencial), o que anulou procedimento interno legítimo iniciado no Poder Legislativo e configurou uma clara e irregular violação à separação dos Poderes, diretriz basilar de nossa Constituição.

É preceito constitucional o dever de o Poder Legislativo ‘zelar pela preservação de sua competência legislativa’ (art. 49, inc.XI da CF) e, segundo a Carta Magna (art. 58), compete à Câmara regrar sobre a criação de suas comissões.

Esse esforço em tergiversar não só se percebe naquela leitura omissiva, como também na tortuosa igualação das definições de escolha com eleição, tão distintamente tratadas na legislação, e, ainda, na inveraz assertiva de que estava obedecendo ao rito do julgado no caso Collor, pois que o STF nunca examinou a criação da Comissão Especial daquele Impeachment. O que a Corte analisou foram os atos por ela praticados, mas não sua criação. A Corte nunca deliberou sobre voto secreto, ou não, na eleição da Comissão.

Não se pode confundir ‘deliberações’ da Câmara, as quais devem ser por voto aberto, com ‘eleições’. Na eleição, opta-se por pessoas, e sempre se deram por voto secreto. A CF de 1946, que todos a reconhecem democrática, dispunha no art. 43 que as eleições da Câmara deveriam se dar por voto secreto. Na Constituição de 1988, as eleições, no Parlamento, foram transferidas para o Regimento, que manteve a mesma disciplina. Nos parlamentos democráticos do mundo o voto é secreto. O art. 97 do Regimento da Assembleia da República Portuguesa isso afirma; assim também o art. 49-1 do Regulamento da Câmara dos Deputados da Itália; o art. 63 da Assembleia Nacional Francesa; o art. 182 do Regimento do Parlamento Europeu, dentre outros. Que assim deve ser, percebe-se que, quanto ao Poder Judiciário e Ministério Público (arts. 98, 119, 120, 130-A) a Constituição determina que as eleições se procedam por voto secreto. As Leis Orgânicas da Magistratura e do Ministério Público, em todas as eleições, em todas as eleições, estatuem que se realizam por voto secreto. São todos dispositivos inconstitucionais?

Beira ao absurdo a decisão, na medida em que, por via transversa, está declarando inconstitucionais todas as eleições em todos os Poderes.

A sustentação construída tormentosamente corresponde a atitude repreensível, tipificada como crime de responsabilidade, por traduzir conduta incompatível com a honra e decoro das funções de Ministro da Suprema Corte, sobremodo porque direcionada ao menoscabo da competência de um Poder.

Por isso, decidiram estas Frentes Parlamentares denunciar à Nação a ofensa a prerrogativas do Poder Legislativo, malferindo o preceito constitucional da separação dos Poderes, pondo em risco a independência da Instituição e, ainda, promover a responsabilização junto ao Senado Federal, além de comunicar à OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e à Procuradoria da Câmara objetivando preservar o exercício da competência da Casa.

Brasília, 02 de fevereiro de 2016.

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A nota da Ajufe:

A Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe – vem a público manifestar seu apoio ao Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), no tocante à sua atuação na ADPF 378, em face do manifesto divulgado por parlamentares na tarde de quarta-feira (03), em que acusam o Ministro de crime de responsabilidade por ter omitido intencionalmente trecho de dispositivo do Regimento Interno da Câmara dos Deputados durante sessão de julgamento da referida ADPF.

Para a Associação, o manifesto representa um ataque indevido à jurisdição da Suprema Corte e seu conteúdo é incompatível com a leitura que qualquer pessoa de boa-fé possa fazer da exposição dos argumentos utilizados pelo Ministro.

A deliberação colegiada é, no mais das vezes, permeada por apartes e intervenções que constroem, em conjunto, a decisão coletiva. Seria uma conclusão por demais simplista admitir que, no julgamento em questão, os ministros foram induzidos pela leitura entrecortada de um artigo, já que puderam estudar detidamente o processo antes da sessão pública. Pensar diferentemente seria menosprezar a capacidade dos ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal.

Reiteramos a confiança depositada na Suprema Corte brasileira e nos seus ministros e em sua capacidade de prestar a mais íntegra jurisdição.

A Ajufe não admitirá, sem a devida reação, ataques ao Supremo Tribunal Federal e ao Poder Judiciário, tampouco que informações inverídicas sejam divulgadas à sociedade com o intuito de, por si só, macular a imagem de seus membros.

Antônio César Bochenek
Presidente da Ajufe

POR EDSON SARDINHA
no Congresso em Foco


Fonte: viomundo

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