"Optando
o Poder Público pela cobrança de remuneração de estacionamentos em vias
públicas de uso comum do povo, tem o dever de vigiá-los, com responsabilidade
pelos danos ali ocorridos". Assim, a empresa Soil Serviços Técnicos e
Consultoria de Santa Catarina, foi condenada a pagar indenização no valor de R$
8,5 mil ao motorista Acácio Irineu Klemke, que teve o carro furtado quando
ocupava uma das vagas do sistema de Zona Azul da cidade de Joinville, serviço
explorado pela empresa. A decisão é da 1ª Câmara de Direito Civil do Tribunal
de Justiça de Santa Catarina confirmando sentença da comarca de Joinville.
A
empresa apelou da sentença ao TJ, sob argumento de que na condição de
permissionária do município de Joinville presta serviços de parqueamento das
vias públicas, mantendo e operacionalizando o sistema de estacionamento
rotativo sem dever de vigilância ou guarda dos automóveis. Segundo sua defesa,
"o preço cobrado pelo tíquete da Zona Azul remunera tão somente a
permissão de uso do bem público, isto é, a viabilização da rotatividade dos
estacionamentos de uso público".
De
acordo com o relator da matéria, desembargador Orli Rodrigues, a Soil é
responsável pelos danos causados a terceiros nos estacionamentos sob seu
controle. Disse ainda que embora a empresa admita que a cobrança se preste a
garantir a rotatividade dos veículos nos estacionamentos públicos, tal fato
restringe direito fundamental de ir, vir e permanecer previsto na Constituição
ao impor ao cidadão a obrigação de arcar com determinado preço para ter a
permissão de estacionar em via pública.
“E
como cada obrigação deve corresponder um direito, o Poder Público (ou aquele
que lhe faz as vezes), porque aufere vantagem econômica, deve suportar um ônus
correspondente”, afirma.
Ação
2003019568-8
Leia
a íntegra do acórdão
Apelação
cível n. 03.019568-8, de Joinville.
Relator
Originário: Dionízio Jenczac.
Relator
Designado: Des. Orli Rodrigues
RESPONSABILIDADE
CIVIL – FURTO DE VEÍCULO EM VIA PÚBLICA - ZONA AZUL – ADMINISTRAÇÃO FEITA POR
EMPRESA PERMISSIONÁRIA – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO – REMUNERAÇÃO FEITA POR
MEIO DE TARIFAS – PERMISSÃO BILATERAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ARTIGO 37,
§ 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - PRESCINDIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE CULPA –
DANO E NEXO CAUSAL CONFIGURADOS – DEVER DE RESSARCIR
Vistos,
relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 03.019568-8, da Comarca
de Joinville (2a. Vara Cível), em que é apelante Soil Serviços Técnicos e
Consultoria S/C Ltda., sendo apelado Acácio Irineu Klemke:
ACORDAM,
em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação majoritária, negar provimento
ao recurso.
Custas
na forma da lei.
I
- RELATÓRIO:
Trata-se
de apelação cível interposta por Soil Serviços Técnicos e Consultoria S/C Ltda.
objetivando a reforma da sentença que, nos autos da ação de responsabilidade
civil por furto de veículo nº 038.99.023522-7, a condenou ao ressarcimento de
R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais) ao autor/apelado Acácio Irineu
Klemke, em razão do furto do veículo deste em estacionamento controlado por
aquela.
Em
seu arrazoado, a apelante aduz ser permissionária do município de Joinville
para prestar serviços de parqueamento das vias públicas (implantação,
manutenção, e operacionalização do sistema de estacionamento rotativo Zona
Azul), sendo que o Termo de Permissão não abrange qualquer sorte de dever de
vigilância ou guarda dos veículos. Esclarece que o preço cobrado pelo tíquete
de Zona Azul remunera tão somente a permissão de uso do bem público, isto é, a
viabilização da rotatividade dos estacionamentos de uso comum.
Argumenta
que a sua imputação no dever de guarda e vigilância dos veículos representa
desvio de atribuição de atividade, até mesmo pelo preço cobrado, cuja quantia
serve apenas à concretização daquelas atividades já mencionadas.
Finaliza
alegando a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso – uma vez
que não há, na hipótese, prestação de qualquer serviço – e pugnando pela
reforma do decisum de primeiro grau.
Resposta
às fls. 116/127.
Conclusos,
os autos ascenderam a esta Egrégia Corte.
É
o relatório.
II
- VOTO:
Não
prospera do recurso interposto. Como bem consignado na respeitável sentença de
primeiro grau, que se adota como razão de decidir, a apelante é, sim,
responsável pelos danos causados a terceiros nos estacionamentos sob seu
controle. Fundamenta-se.
Primeiramente,
cumpre esclarecer que, optando o Poder Público pela cobrança de remuneração de
estacionamentos em vias públicas de uso comum do povo, tem o dever (ou o tem
quem lhe faça as vezes) de vigiá-los, com responsabilidade por danos ali
ocorridos.
Isto porque tal
cobrança, embora se preste a garantir a rotatividade de veículos nestes locais,
restringe o direito fundamental de ir, vir e permanecer, garantido pelo artigo
5º, inciso XV, da Constituição Federal, ao impor aos cidadãos a obrigação de
arcar com determinado preço para terem a permissão de estacionar seus
automóveis nas vias públicas.
E
como a cada obrigação deve corresponder um direito, o Poder Público, ou aquele
que lhe faz as vezes, porque aufere vantagem econômica, deve suportar um ônus
correspondente.
É
o que destaca o eminente Juiz de Direito de São Paulo, Dr. Leonel Carlos da
Costa, em artigo sobre o tema, publicado na Revista de Direito Administrativo
Aplicado, nº 19 (outubro/novembro de 1998):
“No
caso das vias e logradouros públicos, convém lembrar que tais são bens públicos
de uso comum do povo (art. 66, I, do CC) e, portanto, sujeitos à proteção pela
guarda municipal.
“Não
é justo, pois, que o particular pague pelo estacionamento em ‘zona azul’, na
via pública, sob pena de multa pela fiscalização (constantemente mantida),
pague as contribuições de melhoria municipais, e, ainda, quando tem seu veículo
furtado, ou danificado no referido estacionamento, fique sem ressarcimento,
quando o Município não vigiou a guarda do veículo.
“É
máxima jurídica que a todo direito corresponde uma obrigação e quem aufere
vantagem deve suportar o ônus de sua atividade. Configura-se situação de
injusta vantagem do Poder Público, contrariando a tendência já incorporada em
nosso sistema (como acima foi mostrado), a exploração de estacionamento
remunerado, com isenção de qualquer responsabilidade por prejuízos que os
usuários ou seus veículos venham a sofrer, principalmente pela culpa in
vigilando. Possui o município, como é caso de São Paulo, uma Guarda Municipal e
existindo a fiscalização da CET, empresa municipal exploradora da ‘zona azul’,
não há escusa para se deixar de ressarcir, quando estes se fazem presentes para
multar e engordar as burras do Estado, mas ausentes para garantir a fruição da
utilidade disponível a título oneroso.” (COSTA, Leonel Carlos. Da
responsabilidade do Município por danos em veículos em estacionamentos ‘zona
azul’. Genesis: Revista de Direito Administrativo Aplicado. Nº 19,
outubro/dezembro 1998).
Não
se venha, doutro lado, dizer que a vantagem auferida pelo Estado, ou no caso,
pela permissionária, é transferida à sociedade de outras formas indiretas
porque não se trata de tributo, mas sim de preço público conforme pacíficas
doutrina e jurisprudência. Como tal, deve trazer uma contrapartida direta e
correspondente.
Feito
este esclarecimento inicial, tem-se que a apelante — na condição de empresa
permissionária de serviço público — faz as vezes do Estado, tendo transferida
para si toda a responsabilidade inicialmente atribuída àquele. Isto é o que se
dessome da leitura do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal e da cláusula
nona do Termo de Permissão de fls. 45/49, que assim dispõe:
“Cláusula
nona: O Município exercerá ampla fiscalização dos serviços permissionados, o
que em nenhuma hipótese eximirá a Permissionária das responsabilidades fixadas
pelo Código Civil e Penal.”
Ademais,
analisando-se o Termo supra mencionado, infere-se que se trata de permissão da
modalidade bilateral (art. 175, CF), seja porque trata de serviço púbico
stricto sensu, seja porque tem prazo determinado, seja porque delegada mediante
licitação.
Desta
forma, porque tem como objeto a prestação de serviço público, a
responsabilidade da empresa permissionária, diferentemente do que ocorre com as
permissões em geral, é aquela prevista no artigo 37, § 6º da Constituição
Federal, ou seja, a objetiva.
Neste
sentido, leciona Luiz Antônio Rolim em obra recentemente publicada:
“O
art. 175, in fine, da CF determina que o objeto da permissão bilateral é a
prestação de serviço público, e não de atividade de interesse público. Assim
sendo, a responsabilização civil dos permissionários de serviço público pelos
danos causados a terceiros será a consubstanciada no § 6º do art. 37 da Lei
Magna, ou seja, a responsabilidade objetiva ou responsabilidade sem culpa, na
modalidade risco administrativo. Dessa forma, esses permissionários respondem
direta e objetivamente pelos danos que seus agentes ou prepostos, nessa
qualidade, vierem a causar a terceiros. Nesses casos, a vítima não precisará
provar a culpa ou dolo de quem quer seja, bastando somente fazer prova da
ocorrência do dano e do nexo causal entre ele e a autoria do evento lesivo.”
(Rolim, Luiz Antônio. A administração indireta, as concessonárias e
permissionárias em juízo. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2004).
Afigura-se,
em conclusão, que os elementos capazes de ensejar a responsabilidade civil da
apelante acham-se presentes: o dano evidenciou-se pelo furto do veículo; o nexo
causal pelo fato de referido bem estar estacionado em área sujeita a seu
controle. Configurados, assim, o dano e o nexo causal, impositivo
responsabilizar a apelante.
A
jurisprudência orienta-se neste mesmo sentido:
“INDENIZAÇÃO
POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. PESSOA
JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO QUE EXERCE SERVIÇO PÚBLICO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA.
INCIDÊNCIA DE PRECEITOS CONCERNENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUANTO AO DEVER DE
INDENIZAR.
“Tratando-se
a CASAN de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços públicos,
aplicável a teoria da responsabilidade objetiva, pela qual o direito à
indenização independe da demonstração de culpa.” (ACV nº 2002.015164-0, da
Capital, rel. Jorge Schaefer Martins)
“APELAÇÃO
CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO –
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA – INEXISTÊNCIA DE CULPA E SINALIZAÇÃO EM
CONFORMIDADE COM O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO – IRRELEVÂNCIA – NEXO CAUSAL
EVIDENCIADO – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – INTELIGÊNCIA DO ART. 37, § 6º,
DA CF
“A
responsabilidade civil da empresa concessionária de serviço público é objetiva,
eis que fulcrada na teoria do risco administrativo, consubstanciada no art. 37,
§ 6º, da CF e corroborada pela doutrina e jurisprudência, independentemente de
culpa, bastando para caracterizá-la o nexo causal entre a atividade
desempenhada pela empresa e o dano causado ao particular.” (ACV nº 02.026942-0,
de Blumenau, rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento)
De
outro norte, ainda que se adotasse posicionamento diverso – como faz parcela da
jurisprudência – e se entendesse necessária a comprovação de culpa, esta resta
plenamente configurada.
É
que sendo inerente ao serviço público de estacionamento rotativo a vigilância
dos veículos que ali se encontram, a prova de que a fiscalização não foi feita
a contento decorre do simples fato de haver ocorrido o furto. Portanto, ausente
a fiscalização que cumpria à apelante realizar, resta configurada – diante de
sua omissão culposa – a culpa in vigilando.
Finalmente,
no que toca à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, esta restou
muito bem fundamentada na sentença hostilizada, que a colocou nos seguintes
termos:
“De
início, para a análise da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, se faz
necessária a configuração da relação de consumo entre a empresa permissionária
e o usuário dos serviços por ela prestados.
“Para
fins de caracterizar a relação de consumo, o artigo 3º do Diploma Legal em
comento, conceitua serviço como: ‘a atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração’. A empresa Soil Park passou a oferecer à comunidade
Joinvillense, a partir do termo de permissão obtido junto ao Município, após o
procedimento licitatório, um serviço público, mediante pagamento, consoante
atesta sua peça contestatória. Tal circunstância, por si só, a enquadra no
citado artigo, exigindo a aplicabilidade do CDC ao caso vertente.
“Ademais,
segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, a remuneração das empresas
permissionárias ocorre mediante o pagamento de tarifa, circunstância que
corrobora com a aplicabilidade da Lei 8.078/90 (CDC), com todos os seus
consectários.
“Tarifa,
ou simplesmente preço, outra coisa não é senão a contraprestação paga pelos
serviços efetivamente prestados e fruídos pelo particular que o contratou, em
razão de um ato de vontade. Não se confunde com o conceito de taxa, que somente
alberga as hipóteses constitucionalmente previstas, possuindo natureza
tributária e, não admitindo, por conseguinte, a aplicação do CDC.
“O
serviço público prestado pela empresa permissionária possibilita a aplicação do
Código de Defesa do Consumidor, posto que a contraprestação para a cobrança dos
valores referentes ao tarifado pelo estacionamento consiste na fiscalização dos
veículos deixados sob sua guarda, nada obstante as alegações de que a
responsabilidade da permissionária consiste apenas no controle do tempo de
parqueamento.
“(...)
“Ressalta-se
que a partir do disposto no Código de Defesa do Consumidor, tanto os
estacionamentos privados quanto os controlados por empresas permissionárias,
ensejam o dever de indenizar uma vez verificado o dano e o nexo de causalidade.”
(fls. 87/90)
Posto
isto, satisfeitos os requisitos ensejadores da responsabilidade civil, seja sob
o prisma objetivo, seja sob o subjetivo, nega-se provimento ao recurso.
III
- DECISÃO:
Nos
termos do voto relator, a Câmara, após debates, decidiu, por maioria de votos,
negar provimento ao recurso, vencido o Desembargador Dionízio Jenczak.
Do
julgamento presidido pelo Relator designado, participaram, a Exma. Sra.
Desembargadora Salete Silva Sommariva e o Exmo. Sr. Desembargador Dionízio
Jenczak.
Florianópolis,
23 de novembro de 2004.
Des.
Orli Rodrigues
PRESIDENTE
E RELATOR DESIGNADO
Declaração
de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Dionizio Jenczak:
Ousei
divergir da douta maioria pelos seguintes fundamentos:
Trata-se
de ação de indenização por furto de veículo ocorrido no centro da cidade de
Joinville, em área de estacionamento controlada pela empresa Soil Serviços e
Consultoria S/C Ltda., na conhecida ‘Área Azul’.
Insurge-se
a ora apelante, por entender descabida a condenação imposta em razão de não
haver comprovação do liame etiológico, bem como ausência do dever legal ou
contratual de indenizar o furto ocorrido.
A
bem-lançada sentença não está a merecer qualquer reparo, porquanto rechaçou
fundamentadamente todas as teses expendidas pela ré.
“2.1
– Do contrato de permissão
As
alegações da empresa requerida no tocante à isenção da responsabilidade não
merecem acolhida, vejamos.
A
partir do disposto no art. 37, §6º, da CF foi instituída a responsabilidade objetiva
das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de
serviço público. Com o advento da teoria objetiva atribui a Constituição
Federal a responsabilização daqueles que, no exercício de atividade pública,
causarem danos a terceiros, independentemente de dolo ou culpa.
Verifica-se,
por conseguinte, a responsabilidade das empresas permissionárias indenizarem
por danos causados, em decorrência de ato comissivo ou omissivo, praticado por
seus agentes quando do exercício da função pública.
Devidamente
caracterizada a existência da responsabilidade civil das empresas
permissionárias, vejamos ainda a doutrina de Celso Antonio Bandeira Melo (in
Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros. 13 ed. 2000): ‘O Estado,
em princípio, valer-se-ia da permissão justamente quando não desejasse
constituir o particular em direitos contra ele, mas em face de terceiros’.
Desta
feita, o contrato de permissão não transfere a titularidade do serviço público
à empresa permissionária, transferindo a esta tão somente a prestação dos
serviços que lhe foram atribuídos pelo Estado, mediante o pagamento de uma
tarifa pelo particular quando de sua utilização.
Aduz
a ré ser responsável pela implementação, manutenção e operacionalização da
rotatividade do estacionamento público localizado nas áreas centrais da região
de Joinville. Dita atividade, entretanto, não se esgota a partir da venda do
cartão, em razão de não ser um serviço prestado com fins lucrativos,
albergando, assim, a atividade fiscalizatória, dentre os serviços colocados à
disposição do cidadão.
Não
se pode esquecer que seus funcionários, na qualidade de ‘fiscais’ e vendedores
dos cartões de controle de horários, circulam permanentemente em zonas
previamente estabelecidas pela permissionária, seja para efetuar o controle,
como também para aplicar a ‘multa’ devida, caso algum usuário ultrapasse o
tempo permitido ou estacione na ‘zona azul’ sem o devido cartão adquirido e
corretamente preenchido.
Ora,
seria ingênuo, e até mesmo jocoso, imaginarmos que esses prepostos limitam-se
apenas a essas poucas atividades cotidianas, descomprometidas, portanto, de
qualquer dever de guarda ou vigilância.
Sem
dúvida, o usuário-consumidor ao adquirir um cartão de estacionamento ‘zona
azul’ e ao parquejar o seu veículo nos termos contratados, assim o faz com a
certeza de que seu automóvel está sendo cabalmente fiscalizado pelos prepostos
da permissionária do serviço público, ou, em outras palavras, que este veículo
durante o período compreendido na cartela, estará sob a vigilância dos
prepostos da requerida.
2.2
– Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor
De
início, para a análise da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, se faz
necessária a configuração da relação de consumo entre a empresa permissionária
e o usuário dos serviços por ela prestados.
Para
fins de caracterizar a relação de consumo, o artigo 3º do Diploma Legal em
comento, conceitua serviço como: ‘a atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração’. A empresa Soil Park passou a oferecer à comunidade
Joinvillense, a partir do termo de permissão obtido junto ao Município, após
procedimento licitatório, um serviço público, mediante pagamento, consoante
atesta a sua peça contestatória. Tal circunstância, por si só, a enquadra no
disposto no citado artigo, exigindo a aplicabilidade do CDC ao caso vertente.
Ademais,
segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, a remuneração das empresas
permissionárias ocorre mediante o pagamento de tarifa, circunstância que
corrobora a aplicabilidade da Lei 8.078/90 (CDC), com todos os seus consectários.
Tarifa
ou simplesmente preço, outra coisa não é senão a contraprestação paga pelos
serviços efetivamente prestados e fruídos pelo particular que o contratou, em
razão de um ato de vontade. Não se confunde com o conceito de taxa, que somente
alberga as hipóteses constitucionalmente previstas, possuindo natureza
tributária e, não admitindo, por conseguinte, a aplicação do CDC.
O serviço público
prestado pela empresa permissionária possibilita a aplicação do Código de
Defesa do Consumidor, posto que a contraprestação para a cobrança dos valores
referentes ao tarifado pelo estacionamento consiste na fiscalização dos
veículos deixados sob sua guarda, nada obstante as alegações de que a
responsabilidade da permissionária consiste apenas no controle do tempo de
parqueamento.
Nos
termos do artigo 22 da Lei 8.078/90, as pessoas jurídicas de direito público, e
as de direito privado prestadoras de serviço público, podem figurar tanto no
pólo ativo quanto no pólo passivo da relação de consumo, da seguinte forma:
‘Os
órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionária, permissionárias ou
sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços
adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.’
Parágrafo
único: ‘Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas
neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os
danos causados.’
Nesse
sentido colhem-se os seguintes julgados:
‘A
remuneração do serviço de parqueamento, sob regime de preço público, é de
responsabilidade da empresa permissionária, com aplicação da responsabilidade
objetiva, que se distancia de simples falha de segurança pública, respondendo
pela ocorrência de furto de automotor em estacionamento destinado a esse fim. O
serviço de estacionamento prestado por empresa permissionária não se esgota na
venda do talão, mas se estende à garantia de rotatividade e à fiscalização do
sistema. A cláusula de ‘não-indenizar’, constante dos cartões de
estacionamento, é tida como ineficaz, e, por conseguinte, nula de pleno
direito, ante a legislação de proteção ao consumidor. A comprovação de furto de
veículo se faz por registro policial e pelo controle de rotatividade mantido
pela empresa permissionária, não se exigindo prova escorreita de dúvida, o que
levaria a impossibilitar tal indenização’. (TAMG, AC 254.187-7, 3ª C.Civ. Rel.
Juiz Dorival G. Pereira, DJMG de 23.09.1998).’
‘A
operadora de área de parqueamento concedida pelo município tem a obrigação de
reparar o dano decorrente de furto de veículo ali estacionado, dever que advém
do descumprimento do contrato independentemente da indagação de culpa (art. 14
do Código de Defesa do Consumidor). Se o veículo é recuperado em mau estado, em
razão de avarias, impõe-se sua completa recuperação, independentemente de seu
valor de mercado, pois o lesado não está obrigado a aceitar sua substituição
por outro. Recursos desprovidos (TJRJ – AC 1.689/99, Rel. Des. Carlos Raymundo,
5ª C.Civ. j. em 16/03/99).
Considerando-se
ainda a aplicabilidade do disposto no CDC à prestação de serviço público por
empresa permissionária, a Súmula 130 do STJ, dispõe que: ‘A empresa responde,
perante o cliente, pela reparação do dano ou furto de veículo ocorrido em seu
estabelecimento.’
Ao
estacionar seu veículo em local pago, o consumidor busca, além da qualidade no
préstimo dos serviços, uma contraprestação correspondente à que dispõe nos
estacionamentos particulares, qual seja, a segurança contra quaisquer
incovenientes.
Ressalta-se
que a partir do disposto no Código de Defesa do Consumidor, tanto os
estacionamentos privados quanto os controlados por empresas permissionárias,
ensejam o dever de indenizar uma vez verificado o dano e o nexo de causalidade.
[...]
2.4
– Do nexo de causalidade
Demonstra
o autor a existência do nexo de causalidade entre a atitude omissiva da
requerida e o furto do veículo, através do Boletim de Ocorrência às fls. 10.
Nesse
sentido, colhem-se os seguintes entendimentos jurisprudenciais:
‘O
boletim de ocorrência de acidente de trânsito, elaborado por agentes da
administração pública, goza de presunção juris tantum de veracidade e só pode
ser abalado por melhor prova em sentido contrário’ (AC 98.010409-2, de
Blumenau, Rel. Des. Nilton Macedo Machado).
É
de se salientar que o consumidor não recebe qualquer comprovante dos serviços
que lhe foram prestados, o que, por si só, dificulta a prova de encontrar-se o
veículo no local do sinistro no momento do furto. Entretanto, a empresa
permissionária dispõe de todos os controles referentes ao desenvolvimento de
suas atividades. Ademais, estamos diante de responsabilidade civil objetiva,
cujo ônus da prova da inexistência da culpa recai exclusivamente sobre o
requerido.
Desta
feita, diante da presunção de veracidade do contido no Boletim de Ocorrência,
caberia à ré a comprovação de fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do
autor, consoante artigo 333 do Código de Processo Civil (fls. 85 a 91)
Diante
dos argumentos supramencionados, divergi do entendimento dos doutos
Desembargadores integrantes desta Colenda Câmara.
Florianópolis,
23 de novembro de 2004.
DIONÍZIO
JENCZAK
Convocado
Fonte:
CONJUR
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