Créditos da foto: Ricardo Stuckert |
Este
Lula, monstro que suga a seiva do Brasil para dar-se ao luxo de navegar em
barquinhos de alumínio, é o espectro terrível que a direita construiu.
Flavio
Aguiar, de Berlim - Blogue do Velho Mundo, RBA.
Dizem
os psicanalistas que as nossas fantasias são sempre mais intensas do que a
realidade, sobretudo quando são para o pior. Hoje no Brasil se vê a
demonstração desta tese.
A
velha mídia, o promotor açodado de São Paulo, o Supremo Tribunal do Paraná, que
às vezes parece mais poderoso do que o STF de Brasília, todos lidam com um
espectro que fabricam e ao mesmo tempo são vítimas dele: o espectro Lula, um
horrível monstro, pior que Godzilla, Drácula e Darth Vader todos juntos, que
suga a seiva do Brasil. Bom, é verdade que este monstro suga esta seiva para
dar-se ao luxo de navegar em barquinhos de alumínio e descansar (?) em
apartamentos que não comprou nem de que desfruta. Mas não importa: eles vão em
frente, para impressionar a parte crendeira da classe média, aquela propensa a
acreditar que estamos mergulhados num mar de lama como nunca houve no país,
assim como acredita que PSDB, DEM, o PMDB da direita são mosteiros de
probidade, onde Cunha é o Pai, Aécio é o Filho e os juízes e os promotores
assanhados são os Espíritos Santos.
O
espectro Lula é terrível: imbatível nas urnas, tem que ser abatido nos tapetões
do Judiciário, por meio do “Golpe Paraguaio”, que na verdade deveria ser
chamado de “Golpe de Miami”, já que quem inventou isto de substituir os tanques
nas ruas pelos juízos à socapa nos tribunais foi a eleição trucada de Bush
Filho na Flórida em 2000.
O
espectro Lula ameaça a paz dos cemitérios que a direita brasileira sonha ser o
Brasil. Não só a direita brasileira: os porta-vozes da City Londrina e de Wall
Street também são assombrados pelo espectro. Porque o Brasil é um porão (assim
eles o vêem) imenso, que, vindo à superfície, vai destruir os alicerces da Casa
Grande que é o mundo financeiro internacional e seu primado sobre corações e
mentes – não só na América Latina, mas na Europa e no resto do mundo, do
Oiapoque ao Vulcão Fuji, de Vladivostok a Ushuaia.
Mas
por trás ou à frente do espectro Lula, existe um personagem real, chamado Luiz
Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil e talvez (sei lá, o futuro a Deus
pertence) futuro presidente também. É um personagem extraordinário, ou seja,
uma figura humana como qualquer outra, que pode ter defeitos assim como tem
qualidades. Mas que liderou uma das maiores transformações sociais do seu país e
do mundo, ao mudar o patamar de vida de mais de 60 milhões de pessoas em meia
América do Sul, transformando sua terra num global player que agora não pode
mais ser jogado para baixo do tapete, embora haja gente e mais gente desejosa
de que isto acontecesse. Dentro e fora do Brasil.
Prova
disso é que enquanto se tramavam as farsas ridículas das acusações sobre o
apartamento no Guarujá e o barquinho no sítio em Atibaia, o Prêmio Nobel da Paz
Kailash Sathyarthi, reconhecido pelo combate à exploração do trabalho infantil,
convidava este Lula, que a caterva crápula do Brasil acha que deve cuspir em
cima, para integrar associação mundial contra aquela atividade criminosa, por
ser ele uma referência mundial em matéria de temas e iniciativas sociais.
Prova
disso é que sou testemunha do respeito com que Lula é recebido aqui na
Alemanha. Em dezembro, acompanhei-o em sua visita à sede do SPD e depois da
Fundação Friedrich Ehbert, em Berlim, quando foi recebido pelo vice-chanceler
Sigmar Gabriel e o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, e por mais
uma enorme comitiva de representantes dos partidos social-democratas europeus,
além dos jornalistas, com os tapetes vermelhos do reconhecimento e admiração.
A
verdade é que o Brasil teve, até o momento, entre muita gente boa, três
mandatários fundadores ou refundadores do país e de seu papel no mundo. O
primeiro foi D. Pedro II. O pai, Pedro I, deu o brado do Ipiranga, outorgou uma
Constituição de cima para baixo, embora os reacionários senhores de terra
fossem contra, mas foi só, além de ter um dos casos amorosos mais espetaculares
da nossa história política. Já o filho, Pedro II, consolidou o país (e olhem,
leitor@s, que se eu vivesse em 1840, estaria combatendo contra ele, ao lado dos
republicanos farroupilhas antiescravistas, como o coronel Teixeira Nunes e o
general Netto…) e foi dos mandatários nacionais de mais alto reconhecimento
internacional. Escorraçado do país pelo golpe republicano, ao morrer, foi declarado
por editorial do New York Times ser “o mais republicano dos imperadores”…
O
segundo foi Vargas que, como toda a carga autoritária de seu governo,
introduziu a legislação trabalhista que nada tem de fascista e muito de
positivista e de Bismarck, negociou de igual para igual com Roosevelt, fundou a
Petrobras que hoje querem de novo destruir, e deixou a vida para entrar na
história, neutralizando com seu sacrifício o golpe de estado contra o povo
brasileiro.
O
terceiro, para desespero de certo professor de Sociologia, é Lula, o real, não
o espectro, que projetou Brasil como liderança do Terceiro Mundo, abriu caminho
para a negociação bem-sucedida com Irã e liderou esta marcha de ascensão social
digna de um filme de Cecil B. de Mille dos anos 50 ou do Spielberg atual. Isto
no cinema; Lula, na vida real.
Erros?
Sim, afinal, trata-se de um ser humano, não do monstro infalível que os arautos
da Casa Grande querem impingir ao povo brasileiro. Talvez o principal erro
cometido, junto com seu partido, o PT, tenha sido o de imaginar que toda esta
gigantesca operação positiva na sociedade brasileira não despertaria ódios nem
a aversão por parte de quem não aguenta, no fundo, ter de disputar espaço com o
povão das filas de aeroporto, nos vestibulares das universidades, nas escadas
rolantes dos shopping centers, ou ter de pagar salário mínimo com carteira
assinada para empregada doméstica. Parecia apenas que a “beleza do quadro” da
melhoria social seduziria todo mundo.
Muito
pelo contrário.
Quem
detesta o bonito, feio lhe parece. Tem gente que não suporta a igualdade. Tem
gente que prefere matar a conviver. Nos casos extremos, outras gentes. Mas no
meio do caminho, também ideias.
Como
não há mais estacas nem água benta disponível para conjurar o espectro Lula, o
caminho é mesmo o de procurar destruí-lo juridicamente. Fazer o seu impeachment
antes mesmo dele assumir qualquer cargo. Como se fosse um exorcismo
avant-la-lettre.
Não
vai funcionar. É possível enganar todos por algum tempo, alguns o tempo todo, mas
não a todos o tempo todo. O Lula real vai sobreviver a seu espectro fajutado
por essas tentativas canhestras de golpe.
Fonte:
cartamaior
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