Joacir
Alves da Cruz tinha apenas 21 anos quando foi internado no Complexo Médico de
Pinhais, em Curitiba – único local do estado do Paraná que abriga presos com
problemas mentais. Há duas semanas, prestes a completar 57 anos, Joacir
conseguiu sua liberdade após seu caso ter sido revisto durante uma inspeção do
mutirão de medidas de segurança do Projeto Justiça no Bairro Carcerário. Foram
36 anos, 5 meses e 9 dias de cárcere por tentativa de homicídio e roubo. “Se
tivesse sido condenado por esses crimes, ele teria pego no máximo 10 anos; o
que ocorre é desumano; uma sentença eterna”, avalia o juiz Moacir Antônio Dala
Costa, da II Vara de Execuções Penais de Curitiba, que pela segunda vez
implementou o mutirão no hospital psiquiátrico de Pinhais, seguindo o exemplo
dos mutirões de medidas de segurança iniciados pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ).
Ocorrido
nos dias 10 e 11 de maio, o mutirão descobriu outros casos de internação com
tempo indevido. Dos 431 casos avaliados, 108 não precisavam continuar
internados e foram encaminhados para outras instituições ou voltaram para casa.
“Descobrimos 46 internos com alvará de soltura, um deles datava de 2005”,
revelou o juiz. No mutirão, foram descobertos casos de internos cumprindo
medida de segurança, há mais de 20 anos, por furto de barras de chocolate e invasão
de domicílio. Foi o caso de Francisco Celestino, internado em maio de 1981 – na
época com 23 anos. Na sentença que o trancafiou, o juiz afirmava que embora que
não ficasse comprovado nenhum ilícito penal, aplicaria medida de segurança nele
presumindo sua periculosidade.
“Ele
ficou internado 31 anos sem ter praticado nenhum crime junto com matadores em
série, psicopatas, estupradores. E os hospitais psiquiátricos se destinam a
esses casos efetivamente perigosos, que representam de fato um risco à sociedade”,
explicou o juiz da I VEP, Eduardo Lino Bueno Fagundes Junior, que também
participou do mutirão.
Mutirões
antimanicomiais – “O mutirão tem uma importância fundamental na realização da
Justiça. A maioria das pessoas internadas nos hospitais psiquiátricos são
extremamente pobres e, assim como os presos comuns, são tratados de forma
omissa pelo Estado. É preciso haver residências terapêuticas para acolher essa
gente que muitas vezes não pode mais voltar pra casa, mas também não merece a
prisão”, afirmou o juiz auxiliar do CNJ Luciano Losekann, coordenador dos
mutirões carcerários e de medidas de segurança promovidos pelo Departamento de
Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF) do CNJ.
Em
2010, o CNJ realizou o Projeto Eficiência na II VEP, auxiliando a vara na
organização dos processos, a partir dali os servidores se entusiasmaram e
iniciaram os mutirões que já encaminharam para tratamento psiquiátrico em
liberdade centenas de internos. O objetivo do mutirão é manter no Complexo
apenas os pacientes submetidos a medidas de segurança por ilícitos penais
graves e considerados perigosos. Para isso, estão sendo feitos convênios com
clínicas particulares para receberem os pacientes.
Até
o final de julho, a Secretaria de Ação Social do Paraná deverá encaminhar 50
internos que não possuem mais vínculos com a família para uma clínica
psiquiátrica localizada no interior do estado. A medida foi tomada após
convênio do governo com as secretarias de Ação Social, de Justiça e de Saúde; a
previsão é que o estado pague à clínica R$1.200 por mês por interno. Nos
hospitais, o custo de um interno é mais alto; R$ 2.500/mês para o estado.
Outros 46 foram entregues aos seus familiares e outros 12 restantes –
beneficiários da Previdência Social – foram encaminhados para instituições para
receberem tratamento psiquiátrico.
Corcel
– Em 2011, o CNJ recomendou aos tribunais que nos casos de penas envolvendo
pessoas com problemas de saúde mental sempre que possível elas possam ser
cumpridas em meio aberto. A Recomendação nº 35 está em concordância com os
princípios da Lei nº 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial
em saúde mental.
Questionado
pelos juízes que participaram do mutirão sobre seu maior desejo, Joacir
comentou que era “comprar um Corcel”, automóvel que parou de ser fabricado
ainda na década de 80. Antes de deixar a instituição – onde entrou em 1975 –
Joacir se disse animado em voltar após “os dois anos de reclusão; agora, estou
com 23 anos”, disse ele, revelando ter perdido a noção de tempo decorrido. “É
uma vergonha para nós, sociedade organizada perceber que o tratamento para
essas pessoas muito pouco mudou. Temos de repensar a situação dos pacientes
psiquiátricos e fazer algo verdadeiramente humano por eles”, lamentou o juiz do
CNJ.
Regina
Bandeira
Agência
CNJ de Notícias
Fonte:
CNJ
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